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A SUÍTE DE BROSSA


Por Mário Alex Rosa


Quando se fala em Joan Brossa no Brasil, a primeira imagem que talvez venha à nossa mente é que foi um poeta criador de diversos objetos, de muitos poemas-objeto. De certo modo, não é um equívoco ter essa referência. Mas Brossa foi também um grande criador de belos e instigantes poemas visuais, inclusive de proporções esculturais, como se pode encontrar nas ruas e parques de Barcelona ‒ cidade onde nasceu em 1919 e veio a falecer em 1998, poucas semanas antes de completar oitenta anos. A bem dizer, Brossa transitou em diversas áreas, tais como a poesia, o teatro, a música, as artes visuais, a performance. Não havia fronteiras para ele entre as artes, pois tudo poderia ser contaminado de uma para outra. No entanto, é essencial lembrarmos que para o poeta de origem catalã a palavra em si era o centro de tudo, inclusive as letras, o alfabeto. Um A, por exemplo, ganhou ares de uma vela de um barco. Ou talvez – num dos mais conhecidos dos seus objetos – temos uma simples lâmpada na qual aparece escrita a palavra POEMA, portanto ressignificando a ideia de que a criação necessita de alguma iluminação.


Brossa, ludicamente, brincava com as letras a ponto de criar uma chave cujo formato é nada mais nada menos que representada por diversas letras. Digamos que a criação de um poema estava numa chave, era só saber usá-la para abrir portas.


Essas referências pontuais ajudam a situar um pouco a produção de Joan Brossa, autor que transitou desde a tradição mais fechada do verso metrificado (soneto) ao verso livre. A propósito disso, acaba de sair mais um livro do poeta no Brasil: Suíte transe ou a contagem regressiva (2021), pela Lumme Editor, com tradução de Ronald Polito, que provavelmente hoje é o tradutor que mais vem divulgando a obra de Brossa entre nós. Em 1998 saiu Poemas civis, em parceria com Sérgio Alcides; depois e já separadamente vieram 99 poemas (2009), Sumário astral (2003) e Escuta esse silêncio (2011).


Nessa nova tradução, Ronald Polito anota que “são dez poemas e que constituem um ciclo perpétuo de aprendizagem, que a natureza circular dos textos vem indicada pela forma de sua numeração e, em parte, pelo sentido da sequência de poemas. Vejamos: as seções do livro são em ordem descrescente, de 10 a 1, em arábica; já os poemas, eles são numerados em ordem crescente e em romano: de I a X”. Há, portanto, uma dança (suíte), um transe, ou seja, uma suposta alteração de consciência e que se completa numa contagem regressiva, mas também uma progressão. Para além dessa numeração crescente e decrescente ou vice versa, o que se pode notar nesse poema-livro é o tema da passagem da vida, daí talvez se possa ver nessa numeração como um ciclo que está por encerrar.


O poema de abertura do livro já anuncia que existe uma tristeza, embora não se saiba o motivo dela. E que, para aboli-la, o poeta procura por uma pedra que seja de cor verde-claro, “porque dizem que cura a tristeza”. Como se sabe, a cor verde não só simboliza a esperança como também a cura, e que seja clara como forma de clarear sua vontade de renovações. Quem sabe assim possa ser curado da tristeza que o abate. Reconhecer o processo inevitável da passagem do tempo não diminui a vontade primeira de querer revolver a natureza primária, mesmo que seja inevitável “expressar os abalos de [seu] abatimento”.


Esse breve e precioso livro composto por dez poemas pode ser lido como se fosse um único poema dividido em dez partes, e cada uma das partes forma um todo, como um ciclo da vida que parece se completar. Para isso, Brossa toma como princípio o próprio movimento da natureza, porém ela continuará existindo sem o homem como anota neste verso que soa como despedida: “em que o universo continuará existindo/sem o homem”. Talvez seja por isso que o livro na sua totalidade se cerca de melancolia, ainda que para tanto seja preciso reconhecer a beleza que move o universo com seus sóis, luas, estrelas, bichos, plantas, ou mesmo a própria história da civilização.


Tudo isso e muito mais perpassam nessa caminhada que se tem a contagem regressiva. Há também uma contagem progressiva, porém essa se puder que demore mais, afinal a caminhada para essa avaliação tem uma razão maior de ser: o seu amor pela sua companheira Pepa Llopis, a quem o poema-livro é dedicado no seu aniversário de 67 anos. Não à toa, o poeta escreve entre tantas passagens de versos belos e que recompõem muito o que Brossa sempre cuidou: as palavras e as letras: “movo os sentidos de acordo com as palavras”. Assim quem sabe o eterno retorno seja pensado não apenas como “um pessimismo contido”, mas uma esperança contida, pois está lá numa das passagens mais notáveis e bem realizadas no poema de número IX: “E, se tudo começa por acabar, / tudo acaba por começar de novo”.






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