Por Roland Cirilo*
Ziul Serip inventa em sua(s) “allegoria(s)” um “dicionário” de imagens poéticas. No entanto, em vez de definições, ele nos oferece universos descritos em pequenos quadros-parágrafos, em que vai encadeando as palavras qual um pintor que escolhesse figuras de linguagem para criar todo um sistema ideográfico de representações poéti-cas. Cada parágrafo é um micro poema, que vem “capturar os sentidos do escuro, do alvorecer sem luz”, sentidos que se abrem ora como horizonte ora co-mo vielas de uma periferia que vêm nos incendiar a alma. Sabendo que nenhuma palavra se encerra em si mesma, mas se presta às infinitas signifi-cações de quem a ela imprime sua visão de mundo, o poeta delineia universos enigmáticos sob cada tí-tulo, os círculos infinitos da velha serpente alquí-mica ouroboros mordendo a própria cauda. Aliás, “ouroboros” é o título de seu primeiro poema, que parece querer dar uma pista a quem adentra esse verdadeiro léxico imagético:
costurar artelhos. mirar espelhos artificiais.
castigar ouriços vermelhos. especular
antigos castiçais. flutuar
em tuas tatuagens.
beber a cor abricot do licor.
encobrir estrias parietais.
*Nesse sentido, apesar de darem a impressão de serem um círculo fechado, seus poemas são como verbetes de uma língua esquecida, criando significações em um espaço-tempo contínuo e nos convidando a espreitar a simultaneidade do que somos. E as acepções que o poeta cria para suas alegorias têm um ritmo próprio, uma respiração que, em alguns momentos, é calma, em outros, o-fegante como em uma verdadeira corrida contra a ilusão do tempo:
é hora de demolição: executar os cílios
do crepúsculo; ocupar esse âmbito
em fragmentos.
ver a luz – floricanto.
dor e delírio, em horas noturnas,
inventam sombras para os canibais.
Com isso, longe de fórmulas e estruturas viciadas ou pré-concebidas, o poeta inaugura um jeito de dizer o mundo, abrindo portas antes fechadas para a poesia, imprimindo novos (e múltiplos) signifi-cados para aquilo de que a nossa subjetividade sequer desconfia. Eis um “dicionário” de grande densidade poética, para se ler com deleite, apre-ciando cada frase que se abre à leitura – não como um fim em si, mas como uma linguagem que tateia a escuridão em uma sequência aparentemente es-truturada, em que o “outro” é dito num campo aberto de possibilidades e:
é assim que a linguagem se rompe quando você diz: folhas ouvem seu pró-prio silêncio.
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*Roland Cirilo é linguista, escritor e poeta, autor de Diálogos de folhas & corda (2021).
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