por Franklin Valverde*
Vivemos em tempos de redes sociais, espaços privilegiados para a publicação e divulgação da poesia concreta, da poesia visual, assim como também a chamada poesia discursiva. Tchello d'Barros, entre os poetas brasileiros, é um dos que melhor entendeu todas as possibilidades que as redes oferecem, brindando a todos e a todas com as suas criações. Sejam elas, a sua qualificada produção poética ou informações sobre eventos culturais que esteja participando, organizando ou convidando à participação.
Agora, com a publicação deste Cataclísmica, temos a oportunidade de nos deleitarmos com uma parte de sua criação poética reunida neste volume. A obra está dividida em quatro partes: Dantes, Porvir, Devir, Hodierno e um (B)ônus em prosa poética. Em todas encontramos um apurado trabalho com a palavra, resgatando algumas das formulações apresentadas no Plano-piloto Para Poesia Concreta (1958), principalmente aquelas que definiam a palavra como o motor do poema, além da utilização de recursos linguísticos como aliteração e assonância. A soma de tudo isso, aliada a criatividade do poeta e seu bom humor, resultaram em uma série de jogos linguísticos que primam pela síntese. Essas produções poéticas foram nomeadas, de forma bastante feliz, de poemínimos.
Nesta centena de poemas que aqui se apresentam, somos contemplados com a arte de Tchello d'Barros. Vejamos abaixo pequenas amostras que servem como exemplos.
Nestes versos “sempre essa/ de vagar/ e/ divagar/ sem prazo/ devagar/ e/ sem pressa” vemos que o poeta trabalha, de uma forma bastante sonora, a alternância das palavras “de vagar”, “divagar” e “devagar”, explorando as suas diferenças e semelhanças ortográficas. A utilização desse recurso dá uma particular dimensão ao poema, construindo a noção de tempo e movimento.
Um feliz exemplo de síntese poética temos em “universos/ paralelos/ :/ uni versos/ para lê-los”, possibilitando que com estes poucos versos produza-se um poemínimo metalinguístico, ao demonstrar a profundidade da criação poética no ato da leitura. Além disso, faz com que aquele que usufrui da poesia, nessa práxis, desembarque em “universos paralelos”. Há que ressaltar que a utilização do sinal de pontuação de dois pontos ( : ), em um único verso, apresenta graficamente, de forma sintética, quase ideográfica, esses dois mundos que correm em paralelo, mas se complementam em significado.
Na poesia de Tchello d’Barros também há espaço para a crítica, mas sempre feita com uma pitada de bom humor, o que aprofunda com certa graça o que muitas vezes tem que ser dito, mas de forma sutil. Em “dize-me:/ o dízimo/ diviniza-me/ ou/ dizima-me/ ?/ o pastor/ é meu senhor/ e nada/ lhe fartará”, temos duas releituras cruzadas. Os primeiros cinco versos nos remetem ao mito grego da Esfinge de Tebas, que nesta versão traz o enigma do dízimo; complementada pelos demais versos com uma paráfrase do Salmo 23, respondendo graficamente, a pergunta dos versos iniciais do poema-enigma. O sinal gráfico de interrogação ( ? ) ao centro do poema, ele só em um único verso, ganha destaque servindo de convite à reflexão de quem lê o poema.
A criticidade do bom humor na poesia de Tchello também encontra guarida neste breve poema: “o maestro beethoven/ tão eruditamente/ por fim morreu em paz/ sem saber que um dia/ sua sinfonia tocaria/ no caminhão do gás”. Nele vemos uma sátira pela utilização da música “Für Elise”, de Ludwig van Beethoven, que, de maneira kitsch, passou a ser usada como uma vinheta pelos caminhões de gás, em seus alto-falantes nos bairros das grandes cidades brasileiras.
Essas são pequenas amostras do universo poético de Tchello d'Barros que será encontrado nas páginas que seguem, demonstrando ser possível conciliar a chamada poesia versificada ou discursiva, na preferência de alguns, com elementos da poesia concreta, mostrando que nos dias de hoje essa é uma das formas de se expressar na experimentação poética.
Fica aqui o nosso convite para leitoras e leitores mergulharem em Cataclísmica e apreciarem essas mínimas joias da nossa rica poesia brasileira que, ao mesmo tempo, divertem, nos fazem pensar e refletir sobre a nossa atual sociedade.
ALGUNS POEMAS PRESENTES NO LIVRO
só segue essa pista:
estando mal da vista
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(antes)
partida
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(agora) oásis (agora)
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destino
(depois)
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escrivir
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a vida em si é um risco
e pode ser dolorido
não tem mapa nem aviso
o mundo ataca de frente
e por mais que você enfrente
te pega desprevenido
a vida é um rabisco
e do muito que nos dói
por vezes não faz sentido
aquele beijo não dado
um verbo que jaz calado
o amor que não foi vivido
______________________________________________________________________________________*Franklin Valverde é escritor, jornalista e professor universitário São Paulo - SP
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