Por José Arnaldo Villar
Sete olhos e outros poemas (Córrego, 2022), de Claudio Daniel, é um livro de poemas que concilia o artesanato rigoroso da linguagem com temas sociais e políticos que retratam o recente momento histórico brasileiro, marcado pela violência contra negros, índios, homoafetivos e de ameaças ao estado democrático e de direito. Em nenhum momento, porém, os poemas cedem vez à retórica panfletária; há um trabalho de escolha meticulosa das palavras e a construção de efeitos sonoros e imagéticos, que buscam envolver a inteligência e os sentidos do leitor. As imagens, por vezes, assumem cores quase expressionistas, como nestas linhas de Primeiro olho: “Ruídos esfiapados / de metais / somam–se aos gritos / excessivos da noite. / Caminhamos / dessa rua a outra rua, / entre dedos de árvores / e mariposas epidérmicas, / mas nada vemos: / nem as flores / das ameixeiras, / nem os fios estorricados; / estamos cegos, / talvez meio mortos, / como diabos frios / no redemoinho”. Em outros momentos, há o diálogo com temas e timbres dos povos indígenas brasileiros, numa linha próxima à etnopoesia, como acontece no poema Rituais: “o espírito do rio dorme na rede com as mulheres / a lua negra / e seu chifres / cada mulher / sonha / encantada / com a lua / e o espírito-rio / mandacaru / está vendo, / mandacaru / está vendo / os cabelos / soltos delas / que dormem / nos braços / do espírito-rio”. A natureza está presente nos poemas de Claudio Daniel, com olhar quase fotográfico, embora por vezes os cenários também assumam um delírio quase surrealista: “Galho / de árvore / corcunda. / Cabeças / cúbicas / de formigas. / Paisagem / de margens mudas / onde o vento / sopra / ao contrário”. Vale a pena destacar também os poemas que prestam homenagem a Kathlen Romeu, modelo negra morta durante ação da Polícia Militar numa comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro e a ao catador de papeis Luciano Macedo, que tentou socorrer o músico negro Evaldo Santos Rosa, fuzilado com mais de 80 tiros, numa polêmica ação de soldados do exército. Apesar do tema forte, o poeta consegue desenvolvê-lo alternado delicadeza e força expressiva: “Folhas amarelas / caem na calçada: / vento de outono. / Farol vermelho pisca / para carros cegos. (...) / Numa tarde de sol, / assisti à incompreensível / cena de fuzilamento: / corri para socorrer / o ocupante do veículo / e também fui alvejado. / Agora, os brancos e ricos / podem dormir tranquilos: / há dois pobres a menos / no Rio de Janeiro”.
Comments