Por André Dick
Já com uma trajetória muito consolidada na literatura, o escritor Mário Alex Rosa lançou dois livros de poesia até agora nesta década: Casa (Belo Horizonte: Impressões de Minas, 2020), e Cosmonauta (Belo Horizonte: Aletria, 2022).
Como escreve Ronald Polito na apresentação do primeiro, “A casa é nosso esconderijo [...] A casa é só coração. Fora da casa é só nervo”. É possível apreciar bastante a maneira como Mário consegue situar sua seleção de poemas num ambiente definido, familiar, e fazer disso uma ponte para o imprevisível e a natureza em torno:
na sala
uma folha cai
o silêncio ensaia
Com seus olhos livres, Mário, que é autor de um dos meus livros de poesia infantis preferidos, o excelente ABC Futebol Clube, aproveita o estado de pandemia, a obrigatoriedade de se restringir ao espaço caseiro, como um diálogo com o futuro:
estendida no varal
a roupa espera
uma nova era
*
palavra que hiberna
no inverno espera
outra primavera
Do mesmo modo, procura-se um olhar para o que não chama atenção, o transitório:
uma formiguinha
passeia no grão de açúcar
doce vida
*
cores na fruteira
transforma-se o tempo
cheiro de vida
O pátio é o contato possível com a natureza, com a vida fora das restrições:
folhas verdes
de vento em vento
amarelam com o tempo
E dentro de casa a vida da natureza, agora mantida um pouco a distância, ainda se mantém:
uma flor nasceu
garanto
dentro de casa
Nisso, o poeta se pergunta:
quanto tempo
o tempo demora
na quarentena?
A julgar pelos poemas de Casa, este tempo permanece num estado de descoberta e encontro com os próprios espaços interiores. A convivência com as coisas, com os objetos, com a televisão, com a cozinha, se torna a convivência com um espaço e um futuro poéticos. O quarto passa a ser o espaço para um sonho futuro, com o que virá:
sob um sol de estrelas
travesseiro de letras
cabeça cheia
Dentro de uma proposta interessante para desenvolver seus poemas com uma atenção microscópica, Mário Alex Rosa desenha uma poética nascida, como ele escreve ao final, num "caderno com pauta", para colher as impressões e sensações de tudo que vai permanecer.
A casa, neste sentido, é representação de como o sujeito se movimenta e permanece no seu espaço. Daí o salto literal que Mário dá no seu livro infantil Cosmonauta, ou seja, o sujeito que sonha em ir à lua, como um astronauta. Dialogando com belíssimas imagens de Carol Fernandes, Mário tece uma espécie de saudosismo, nostalgia, de uma infância, em que o capacete do sujeito que sonha em ir para o espaço é um aquário cheio de peixes, mas o poeta assinala ser tão redondo como a lua. Sem se fixar em versos, mas numa extensão poética que vai do início e toma o desenlace emotivo, Mário leva o espaço da casa para o espaço das estrelas e dos planetas, com a observação fantástica lá do alto de tudo aqui embaixo: “Era uma vez um astronauta / Não era alto / Nem baixo / Era um astro das estrelas / Mas sonhava em ver a LUA / Para chamar de sua”.
De certo modo, poderia dialogar com um belo filme do cinema brasileiro, Marte Um, que foi cotado para o Oscar. O uso da onomatopeia: “num vummmmmm” assinala a subida do foguete às estrelas, levando consigo o leitor, como num “pulo” (leia-se “lua” dentro deste termo). O vazio interestelar, o sujeito diante de estrelas e planetas, é a representação da solidão do sonho, assim como se apresentava em Casa, mas de como este sonho, ao mesmo tempo, transcende qualquer sujeito e sua circunscrição. Se em Casa líamos “sob um sol de estrelas / travesseiro de letras”, aqui as palavras estão soltas, vagando pelo espaço com as belas imagens de Carol Fernandes: é o encontro do poeta com o seu verdadeiro sonho, porque, mais do que sonhar, aqui se dá a verdadeira plenitude do amor: aquela que sobrevive da própria ideia de amar e ser amado, sob o infinito das estrelas. Como em ABC Futebol Clube, Mário extrai de palavras muito simples um carregado sentido de expansão e de completude onde se poderia sentir apenas vazio. Por isso, o final do livro é tão generoso com o leitor: a lua pode ser tanto a do astronauta, que parece longe, afastada por milhares de quilômetros, quanto aquela que nós também vemos na noite iluminada. Afinal, são os amores que escolhemos para sonhar e existir, ora no espaço da casa, ora no espaço infinito.
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