Por Adriana Abreu e Herbert Emanuel
Adentrar na “cabeça-labirinto” de Ziul Serip requer mergulho com todos os sentidos despertos. Seus poemas pedem leitores atentos – atento, aqui, significa um leitor que sabe, como Emerson via Borges, que a Poesia só brota da Poesia. Como todo labirinto que se pre-ze, somos lançados vertiginosamente em suas múltiplas entradas, emaranhados de caminhos que nos levam a outros sem possibilidade de saídas antevistas. Trata-se de um poema/livro/linguagem labiríntico cuja saída é justamente perder-se nele. Seguir em frente adentrando suas multifárias galerias de referências po-éticas:
“em contorno(s) de rios calabouço(s) cala frios –
ossobuco de gordura cavernosa – pelos cab elos
de dura aleg(o)ria (sus)pensa e dispersa”.
Ziul Serip é aquele poeta/leitor voraz que sabe dialogar, sem diluir, dominando o que de melhor a Poesia mundial produziu, arquitetando uma poesia metalinguística singularmente poderosa, com referên-cias que vão desde os gregos e orientais à Poesia pós/tropicalista brasileira, numa con/junção humorada e crítica:
“essa palavra pedra (en)rolando não tem sentido
tem sentido uma “nega” no meada te(re)za?
não há sentido positivo nem princípio ativo (re)negar
tudo isso (n)o desaterro do flamengo sou teu chamego
me chame de teu “nego” porque isso me arrepia
tens perfil de mulata batendo lata em retirada
bala de fuzil comendo solta alta”.
Poeta bem-informado sobre o seu tempo e que sabe que a poesia pode ser um antídoto poderoso contra os envenenadores da vida, “os comedores do planeta”, para usar uma expressão do grande pensador indígena Aílton Krenak, Ziul Serip também dispara a-qui suas flechas certeiras de palavras:
“cidade de deus 111 carandirus corumbiara chico mendes Vidigal nova Brasília favela da Naval quadragésima
2ª. dp 1989-sp – eldorado dos carajás roraima
da madeira dos yanomamis ao adeus dará
rodovia pa-150 – irmã dorothy stang
marielle franco anderson gomes
guadalupe oitenta tiros evaldo
dos santos rosa luciano
macedo joão pedro
kathlen romeu
e o filho.”
Embrenhar-se nesse miolo de signos é ser alvo dessas flechas-palavras e se deixar atravessar por elas, isso pressupõe coragem, loucura e prudência, ao mes-mo tempo. O poeta não nos permite a passividade, além do mais, o território da língua/gem poética é sempre perigoso. Dentro desse banzeiro sígnico o poema emerge “como uma lâmina lisa e fina a fio”. Esse dédalo poético reafirma também o conceito de “lin-guagem como um vírus”, no sentido em que Laurie Anderson o expressa no filme performático-experimental (poesia sonora em alta voltagem) “Home of the Bra-ve”. Se a linguagem é um vírus, a linguagem poética de Ziul Serip é viral, com múltiplas e infinitas mutações. Onde uma referência nos leva a outras por contágio.
Poesia é risco! Então, o que aspira, o que pode essa “cabeça-labirinto?” Envolver-nos em “sonhos que res-tam”?
estou farto de meus sonhos parcos
ardendo meus assombros sob
um sol tímido pardo
onde sinto frio
em seu
estio
De toda forma, a poesia de Ziul Serip pode nos ensinar a sonhar com outras coisas que não sejam nós mesmos.
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