Por Lau Siqueira
O tempo sempre foi matéria de boa poesia. Para Vladimir Maiakovski era preciso apressar o tempo. Um bom mote para um cubofuturista, um revolucionário que via em tudo a pressa de transformar. Havia um país a transformar, um mundo a transformar, um tempo a transformar e uma poesia veloz dedicada ao futuro. “Gente é pra brilhar”, dizia o poeta numa conversa com o Sol.
Escrevendo poemas que conversavam com o Sol ou dialogavam com a felicidade do homem do futuro, no Brasil, Maiakovski estreitava as distâncias do tempo. Roman Jakobson escreveu no livro A geração que esbanjou seus poetas: “a poesia de Maiakóvski é qualitativamente diferente de tudo que foi verso russo antes dele” (...). Eu diria mais. Maiakovski continua sendo um farol para o que há de poesia no mundo. Em cada novo poeta ele renasce.
Vejamos por exemplo, Bartolomeu P. Lucena. Um jovem poeta brasileiro. Nasceu em Malta, no Sertão da Paraíba e de lá traçou seus caminhos. Deve ter escutado desde menino o batuque das palavras que brotavam do solo seco. Era a poesia nascendo com as primeiras gotas de chuva. “enquanto o nosso tempo não chega” é um livro que parece dialogar com Maiakovski - um poeta que apontava para o futuro numa permanente subtração de inconformidades.
Digamos que no futuro ele tenha encontrado a poesia do brasileiro Bartolomeu que, mesmo jovem, aprendeu a extrair versos com a força do braço que arranca a macaxeira na terra extenuada. Diga-se de passagem, versos de densa linhagem filosófica. O tempo é também a sua matéria. Olhando nos olhos do futuro, eis aqui um poeta do tempo presente. Um poeta que a cada livro mostra o quanto não se rende. O quanto se faz surpreendente percorrendo seus próprios caminhos.
Ele sabe que o tempo não é uma travessia incomplexa. Mesmo assim arrisca e parte para mais uma edição dos seus poemas. Uma produção que, aliás, já despertou atenção da crítica e do público leitor de poesia. Um poeta que navega em muitas leituras e experimenta ao extremo o cheiro dos significados. Conforme T. S. Eliot escreveu em “O uso da Poesia e o uso da crítica”: “(...) poeta é individual à medida que consegue, em sua criação individualizada, lançar luzes sobre a totalidade das formas poéticas do passado”. Esta frase parece na medida para traduzir a estrada que nosso bardo percorre desde que despontou no cenário da Poesia Contemporânea.
Nos anteriores, também, mas especialmente neste livro Bartolomeu nos apresenta poemas ancorados na força vibrante do ritmo. Poemas que, para além do prazer estético da leitura, nos convidam para pensar. Pensar nos passos certeiros de cada incerteza, nas quebradas do mundo de onde nunca sabemos onde, quando ou se iremos sair. Ele sabe que, como dizia Janis Joplin, “a saída é seguir em frente”. E o que o poeta nos diz em suas reflexões sobre o tempo é que nunca somos os mesmos depois de cada esquina.
Não há desvios na sua poesia, mas sobram provocações. A palavra é a sua matéria indiscutível e imbatível. A resistência é o fato central de cada poema. O fator determinante de todos os significados é a exatidão matemágica de cada verso. A palavra se faz soberana mergulhada numa miríade de significados. Todavia, um cheiro forte de realidade prevalece em cada verso. O momento presente. O tempo presente que a todo instante arromba a porta para cerzir os rasgos de cada impulso.
O Brasil contemporâneo sangra na voz deste poeta contemporâneo. Bartolomeu chegou neste livro reafirmando as qualidades que traz desde o livro de estreia. Sobretudo, ampliando os carretéis da exatidão para a esgrima de cada verso e para a consciência plena da artesania do fazer poético. A maturidade ascendente no trato com as palavras é visível. O poeta já pode ser apresentado como maestro de uma sinfonia capaz de arrancar suspiros do silêncio. Está pronto para a jornada que se impõe e que também é feita de embaraços.
Bartolomeu extrai da memória os escalpos sangrados da imaginação. Vai tecendo seus versos com o olhar perdido nas labaredas que consomem o efêmero. Enquanto a poesia se derrama com naturalidade, feito rio perene. Constrói versos de beleza calculada. Medidas certas para uma universalidade que nos ensina a ler cada poema. Não são versos livres. A racionalidade da sua permanente experimentação revela versos polimétricos.
A exemplo destes: meu avô era um anjo corcunda/ daqueles que aleijaram de tanto obrar gentilezas. /São Raimundo das paciências,/ protetor dos poetas/ e das crianças desatentas.” No alforje das suas lembranças guardou os ferros retorcidos do tempo, arrancados no olhar magnânimo da sua ancestralidade. Não se perde quem atravessa desertos, caatingas ou se espalha pelas serras. Há algo de telúrico no futurismo da sua linguagem. Não renuncia ao rigor da sua voz autônoma, mas oferece flexibilidade interpretativa ao leitor ou leitora.
Cem anos depois da Semana de Arte Moderna, poetas como Bartolomeu P. Lucena nos convidam a pensar e repensar o que foi um movimento que começou bem antes de 1922 e cujo legado se estende até nossos dias. Bebendo fartamente nas vanguardas e com visível deslocamento por uma radicalidade lírica, Bartolomeu determinou a poesia como sua escolha prioritária. Um estandarte para tatear seus dias desfraldando e recuperando memórias. Desprende-se dos modismos para impor sua dicção. Sua voz poética ao mesmo tempo em que simula tempestades, revela horizontes.
Desta forma, o poeta vai removendo as paisagens do esquecimento para tecê-las em versos que partem da delicadeza e deságuam num aboio de rochedos. Bartolomeu experimenta sobretudo buscar a exatidão cabralina e faz da sua poesia um exercício permanente de indagações. Aliás, permanente e necessário. Uma aventura sim, mas uma aventura planejada como diria Décio Pignatari. Ainda jovem, veleja em direção ao alto mar, abrindo as velas com sua poesia oceânica. Certamente há de realizar boa colheita deste raro plantio.
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