Por Clara de Andrade Alvim
No início de seu livro, Angélica sugere que seus haicais resultam da escuta das vozes da literatura e da natureza. Escuta da alma, que não se faz poema senão com a "oração plena /de paixão:/ ..."
Entretanto, nesses haicais, a paixão se encontra sempre temperada pela razão. Há, neles, uma espécie de combinação ideal entre a extrema sensibilidade e o domínio seguro dos versos – seja de seu conteúdo, seja de seu ritmo e sonoridade – que a autora maneja como mestra. A leitura dos haicais sugere que essa forma de poesia encontrou no senso de humor especificamente feminino de Angélica e, em sua igualmente feminina percepção do tempo e da transformação das coisas ao longo do passar das horas – o seu mais importante segredo.
Particularmente bem realizados (o olhar é de poeta-pintora) são os haicais que abarcam, na parcimônia de seus três versos, a dimensão, a intensidade e a rapidez dos espetáculos da natureza no tempo da seca ou das chuvas no Cerrado. É o sentido plástico que prevalece, também, nas imagens que, sob a luz da madrugada ou do entardecer, são apreendidas – no desenho de sua forma e na leveza de sua substância – e, assim, projetadas no poema.
Muito da graça e o sentido de humor que são característicos nos haicais clássicos advém, nos Diminutos de Angélica, da destreza com que a poeta distribui a sonoridade e o ritmo dos seus três versos. No exemplo:
"aranha emaranha
alvorada na manhã
trama de luz vã"
A aliteração e a rima interior sugerem a leveza do desenho da teia que o haicai traça; e a fugacidade de alguma esperança, que se esvai no momento. Talvez a graça de que tratamos decorra também da objetividade, da síntese e da simplicidade com que é referido o que seria complexo de expressar.
Nesse outro exemplo, a dissonância dos ruídos dos sapos e dos gritos é ecoado pela desarmonia das sílabas tônicas dos versos, em A - E - I. E apresentar a chuva como maestrina disciplinadora dessa desarmonia toda é típico do sentido de humor, permanente nesses haicais de Angélica:
"sinfonia de sapos
e gritos moleques
a chuva afina"
Há caso em que a graça ou a brincadeira decorre da frustração do tom narrativo anterior e da expressividade plástica dos dois primeiros versos do haicai como que interrompidos pelo verso-observação prosaico do final:
"arara espia Aurora
do sol correndo excitada:
quentura no dia!"
Em outro haicai, a trava da ironia – até do trocadilho – se interpõe a possíveis futuras manifestações líricas. Acontece, também de o verso conclusivo de um haicai não, propriamente, negar o dito anteriormente, mas negacear com ele. Na boa definição de negaceio: seduzir negando.
E sobre o tema da sedução, lembremos a personagem mais constante nesse conjunto de haicais: a Lua. Sob todas as formas em que ela aparece ou desaparece, em que ela se chega e se afasta e em que se projeta e se reflete. Lua sempre testemunha, interlocutora muda, irônica, distante mas íntima do fazer dos haicais.
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Enfim: a intensa variedade do ritmo dos versos de cada haicai neste livro – sua movimentação – anima o interesse do conjunto e realça a leveza e a inspiração – a beleza desses haicais de Angélica Torres.
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