top of page
  • Foto do escritorjornalbanquete

Photoplasticidade em “Luz Poética”, de Benedito César Silva(Menedico: o poeta da luz)

Por Marli Silva Fróes


Uma manhã, um de nós esgotou a tinta preta; e foi o nascimento do impressionismo.

P-A. Renoir


Menedico mobiliza uma poética inusitada em que não se nota as fronteiras entre literatura, pintura e fotografia. Essas artes estão materializadas pelo gesto poético na escrita desse poeta que elevou às últimas consequências a proposta dos modernistas da Primeira Geração. Esse poeta-fotógrafo-pintor de cenas/palavras fez mais: as diferentes artes não estão em embate dialógico, mas estão se iluminando, numa íntima irmandade, sem fronteiras e sem hierarquias.


O cronotopo (junção do espaço e tempo) é a grande ousadia do poeta que mistura a arte espacial (pintura) à arte temporal (literatura), com o ritmo poético da arte musical, e com todo o gestual do artista da imagem, da perspicácia do fotógrafo que não congela cenas, mas captura e a mobiliza para uma constante dinamicidade e movimento.


Da arte fotográfica Menedico recupera a ideia de luz e grafia. Buscando a etimologia, a palavra fotografia essencialmente significa desenhar com luz e contraste. Nessa atividade a arte de “como” capturar é tão importante quanto a escolha do que se deve de capturar. O Olhar do fotógrafo deve ser um olhar artístico, e Benedito tem esse olhar sensível.


No desvio da luz, pela lente do poeta, o leitor se instaura e fabrica suas imagens. É possível tatear, ver, sentir a luz emotiva, tal qual a luz de Renoir, que, nas suas telas, tem a capacidade de provocar no expectador o deslocamento para a cena, ou ainda, passeamos pela luz de Johannes Vermeer, com os eu efeito câmera escura, que se antecipa à câmara fotográfica. Também é possível lembrar Monet no seu projeto de luz e nas cores fortes, enfim a mobilidade dos impressionistas se faz perceber no modo escritural de Menedico.

Percebem-se os efeitos de luz e sombra, pelo jogo de re-velar, no sentido de mostrar, dispensar cuidados e, também, de esconder/ocultar. O ser também se compõe nesse gesto duplo: “Hoje, ao focar em mim, /Não me reconheço [...]/As sombras não me consomem./Delas sou parte integrada”.


A luz e as cores são elementos per-seguidos pelo poeta, de maneira quase obsessiva. Em todos os poemas se não aparecem a evocação da luz ou da cor, a sombra comparece, mas ela não é o contrário, ou a oposição da luz, e sim uma faceta desta: “ Na branda obscuridade/Algo se acende em nós...”

A luz poética está no gesto de mobilizar a poesia da grande tela que é a vida no seu dinamismo, lutas, embates, contemplações: “Cores, verdades/Frias e quentes [...] /a beleza dos olhares...” / dores, alegrias, tristezas e sabedorias”. Benedito nos ensina pela poesia que já está tudo posto nessa grande tela, resta-nos o olhar atento, o ajustamento da objetiva para ver-sentir, tatear, cheirar, ouvir, degustar alquimicamente, pois: “Sob a chuva densa das emoções/o arco-íris surge como largo sorriso sobre nós./Aliança reforçada,/Abraçamo-nos por fim”.


Dessa forma a poesia da vida se faz, na conjunção com a poesia da letra, das cores, das imagens e texturas. O poeta, ao manobrar as letras/digitais, parece acessar essa grande tela que se “plasticiza” na superfície branca do papel e reverbera-se na luz poética, esse elemento contundente que se instaura na escrita de Menedico. A letra luz/cores agencia imagens, sensações, que por sua vez, projeta tal qual um fractal, pelo qual o leitor vai deslizando seu olhar, gesto, mão...; de modo que, em algum momento, é possível participar/misturar-se às texturas das imagens, tons, matizes, cenas e sensações.


Os temas variados, amor, encontros, desencontros, solidão, saudade, paixão, dor, fotografia, verso, amizade, a experiência fascinante na fusão de corpos, cópula, felicidades, alegrias, tristezas, etc., tudo que é da ordem do sensível é perpassado pela luz que se reverbera em múltiplas telas nas retinas do leitor.


Há um elaborado trabalho do ponto de vista estético, sem deixar a poesia de lado. O poema “Quereres” poderia perfeitamente funcionar como uma espécie de poesia - manifesto de Menedico: Não quero viver/Esse romance de literatura prosaica./Quero a realidade do dia-a-dia, /retratada na mais bela tela,/Com suas nuances/A construir belíssimo mosaico./Na luz poética,/Entrelaçar nossos sonhos e corações./Viver o que nos reserva a vida,/Sem o sabor das intenções.


A Apreensão emocional e exploração estética resultam nessa poesia forte, vibrante, reluzente, uma escrita de luz na arena de versos, em que a poesia vence. Benedito imprime uma espécie de “light painting” na sua escrita. Veja quão sugestivo é o poema “Tela”. Nessa mesma perspectiva, o poema “registro” associa luz e escrita, em que o encontro dos seres, mediado pelo encontro dos olhares/da luz, que se reverbera para formar e enredar as histórias: “Na luz escrita para a fotografia/seu olhar inscreve-se em mim./juntos, enredamos a história:?Ora sem luz,/Ora sem escrita./[...]”.


A gênese artística de Menedico via verbo e luz, consubstanciou essa bela tela, mosaico de cores e sensações: o livro/tela, chamado Luz Poética, título, aliás, de uma sabedoria louvável, diz bem a que veio a poética de Benedito. A literatura brasileira ganha um grande diferencial, pois Luz Poética traz uma proposta madura, bem trabalhada, uma vez que poesia, pensamento e estética se constroem juntos sem que o escritor descuide do poético.


Luz poética pulsa vibrante pelas retinas e pela pele do leitor, saímos da leitura do livro e continuamos fa-bricando (com) sucessivas telas. Nós leitores também enredamos as nossas histórias e a escrita de luz perdura “fractalmente”.

19 visualizações1 comentário

Posts recentes

Ver tudo

1 Comment


Caroline Paschoal
Caroline Paschoal
Apr 14, 2023

Benedito é um artista ímpar!

Like
bottom of page