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Quatro clics de Rafael Fava Belúzio sobre Paulo Leminski

Por Mário Alex Rosa


Neste ano de 2024 em que Paulo Leminski completaria 80 anos era de se esperar que aparecessem diversas homenagens. E com razão, pois dos poetas da geração de 70 para cá foi um dos escritores que, com pouco mais de 20 anos produziu uma obra catalizadora: cinco livros de poesia, quatro biografias, dois “romances”, um livro de crítica, uma novela juvenil, várias traduções, além de deixar muitos inéditos como o belo e derradeiro La vie en close, publicado postumamente. Afora tudo isso, deu aula, trabalhou em agência de publicidade, estudou várias línguas, foi judoca, compôs várias músicas, uma delas sucesso na voz de Caetano Veloso: “Verdura”.

 

Numa leitura apressada alguns poderiam dizer que a poesia de Leminski é fácil, é diluída, simplificada, por isso ganha muitos leitores. Mas se fosse por isso como justificar tantos estudos? Ou melhor: por que continua despertando interesse? Poderíamos justificar com diversas respostas, mas uma delas sem dúvida é que a poesia de Leminski soube caprichar na linguagem, na forma, criando uma dicção que mesclou a linguagem coloquial oswaldiana, com certo humor drummondiano, o coloquialismo da geração de 1970, dita da poesia marginal, a canção brasileira e o diálogo com o concretismo. Porém, com toda essa tradição sobre os ombros, o poeta não se fez por menos nem menor; ao contrário, numa sacada criou um dos poemas mais belo e político ao mesmo tempo contra a ditadura militar. Ao perverter o slogan: “Brasil, ame ou deixe- o”, o poeta escreveu: “ameixas, ame-as ou deixe-as”. Nesse poema há um pouco daquelas influências citadas acima, mas com um acréscimo tipicamente leminskiano: o lúdico. O poeta meio que brincando fez coisa séria. Em outras palavras: supostamente distraído, venceu e deixou seu recado.

 

Nesta síntese e muito provisória, devemos ressaltar que foi em pouco mais de vinte anos uma produção intensa e extensa. Portanto, lembrar Leminski é relembrar que ele só tinha apenas 44 anos (1944-1989) e que a sua grande produção apareceu fortemente na década de 70 e 80. Em suma, pode-se dizer que o poeta deixou uma obra, mesmo com suas oscilações entre caprichos e relaxos. De todo modo não há dúvida de que sua obra ocupa um lugar na história da poesia brasileira contemporânea, que seus livros de poemas, mesmo os póstumos, não ficaram datados nem perderam a sua identidade leminskiana. Haja vista a recepção crítica que vem crescendo desde os anos 80, seja com as resenhas publicadas no calor da hora (Caprichos & relaxos foi um boom de venda em 1983, quando saiu pela Editora Brasiliense), seja posteriormente. Hoje se pode dizer que há dezenas de estudos acadêmicos, muitos artigos e mais que uma biografia tamanha a diversidade dos interesses sobre a vida e obra do poeta curitibano.

 

Se os estudos avançam em frentes diversas, não é muito diferente o interesse dos leitores de poesia e até os menos dedicados à leitura de poesia sabem algum poema de cor de Leminski. Leminski é pop, e isso não é pouco para um país de raros leitores de poesia. Como se sabe, a reunião de Toda poesia ficou por um tempo entre os livros mais vendidos quando saiu em 2013. Vamos dizer então que os anseios críticos sobre o “samurai-malandro” continuam no novo século.

 

Há vinte anos (2004) saía a primeira reunião de textos dedicados à obra do poeta: A linha que nunca termina – pensando Paulo Leminski, organizado por André Dick e Fabiano Calixto. Foram nada mais nada menos 48 autores. Não só pela quantidade, mas ali se revelaram as mais diversas leituras, comprovando que, em se tratando de Leminski, as linhas nunca terminam… A prova disso são alguns lançamentos em livro mais ou menos recentes como: Aço em flor – a poesia de Paulo Leminski, 2024 (2ª edição), de Fabrício Marques; Oriente ocidente através – a melofanologopaica poesia de Leminski, 2010, de Fábio Vieira; Leminski: o poeta da diferença, 2012, de Elizabeth Rocha Leite; Leminski, guerreiro da linguagem: uma leitura das cartas-poemas de Paulo Leminski, 2003, de Solange Rebuzzi; e três “biografias”: Roteiro literário Paulo Leminski, 2018, de Rodrigo Garcia Lopes, Minhas lembranças de Leminski, 2014, de Domingos Pellegrini, e O bandido que sabia latim, 2001, de Toninho Vaz. A fortuna crítica não para de crescer e isso sem contar outros livros e a quantidade de trabalhos acadêmicos no Brasil todo. Por tudo isso e não era menos não nos parece estranho que uma produção relativamente curta no tempo, mas sempre intensa consiga despertar tantos interesses para um público diverso de leitores e estudiosos.

 

Para acrescentar a essa lista, acaba de sair em livro Quatro clics em Paulo Leminski, Editora UFPR, 2024. Resultado de uma tese defendida em 2018, na Faculdade de Letras/UFMG, pelo pesquisador e ensaísta Rafael Fava Belúzio. Em quase 300 páginas, Belúzio vai multiplicando os quatro clics num envolvimento onde o retratado, no caso a poesia de Leminski, se faz com a excelência de quem dar a ver aquilo que aparentemente é óbvio (já disseram que a poesia do polaco mestiço é fácil demais) torna-se, sim, óbvio quando nas mãos de um grande leitor de poesia, que clareia para nós, leitores, as mais diversas nuanças que um poema possa ter. Com uma escrita ensaística e sem deixar de lado e nem pesar a mão nas teorias da e sobre a poesia, Belúzio analisa com muita sensibilidade daqueles leitores/críticos que sabem cuidar da leitura em close reading de um poema. Assim, e me permitindo não seguir a ordem dos capítulos, chamo atenção para o último deles capítulo, no qual Belúzio se envolve numa bela leitura de um daqueles poemas de Leminski que só na aparência possa parecer uma obviedade:        

 

enfim,

nu,

como vim

 

Depois de desnudar o poema comentando o ritmo, as vírgulas, o espaçamento, o significante e significado de cada “palavrinha” do poema, como também contextualizando-o na tradição do haicai, aproximando da humildade franciscana, ou mesmo de outras artes, Rafael Belúzio nos alerta o quanto há de complexidade nessa aparente nudez desse breve poema de Leminski. O leitor poderá encontrar uma postura totalmente comprometida com a leitura de um poema, na sua melhor tradição: comentário, análise e interpretação.

 

Mas há uma ordem na composição do livro, na qual o autor se propõe como um modo de pensar as “sínteses” na poética de Leminski. Uma ordem, diga-se de passagem, equacionada, segundo Belúzio em “quatro estruturas sendo independentes nas suas diferenças e iguais na sua unidade”. Em outras palavras: o crítico repassa e comenta a recepção crítica sobre a obra do autor de Catatau a partir da concepção do que representa a ideia de “sínteses” na sua poética. Numa poesia que já tem na sua natureza a síntese, portanto, uma poética de poucos versos, onde prevalecem as combinações sonoras das palavras, diga-se competência sensível e natural de Leminski, mas também nas mãos de Belúzio que a síntese não é simples, é uma qualidade.

 

Por sua vez, o capítulo “As sínteses na lírica leminskiana” constitui outro ponto alto da tese, quando Belúzio, com seu conhecimento sobre teoria do verso, não mede esforço para equacionar com equilíbrio analítico as relações entre técnica e sensibilidade, afinal não é apenas o apuro técnico que pode garantir a análise de um poema, mas também a percepção sensível que o intérprete demonstra na sua busca pelos sentidos possíveis que pode estar dentro de um poema. Não há dúvida, até mesmo pela escrita de Belúzio, que o leitor poderá sair conhecendo melhor a poesia de Leminski.

 

Nesse sentido, Quatro clics em Paulo Leminski se afirma como um livro fundamental para os estudos leminskianos seja pela extensa pesquisa em relacionar a concepção de trindade de um “eu lírico” fragmentado entre caprichos e relaxos, seja pela técnica apurada nas análises ao lado de uma escrita ensaística envolvente de Rafael Fava Belúzio, tornando a recepção da obra de Leminski ainda mais vigorosa.     


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 * Mário Alex Rosa é poeta, autor dos livros Ouro Preto – Poemas (Scriptum, 2012), Via férrea (Cosac Naify, 2013), ABC futebol clube (Aletria, 2015) (Infantil), Poemas pitorescos (Galileu Edições, 2020), Casa (Impressões de Minas, 2020), Diário de casa (Galileu Edições, 2021), Cosmonauta (Aletria, 2022) (Infantil) e Cartas ao mar (Scriptum, 2023). Coordena junto com o tipógrafo Flávio Vignoli a Coleção de poesia Lição de Coisas – Tipografia do Zé – Belo Horizonte.

 

 

      

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