top of page

Tudo o que a criança pode ser

Foto do escritor: jornalbanquetejornalbanquete

Por Dirce Waltrick do Amarante


Fábulas por telefone (1962) é o livro mais conhecido do pedagogo, jornalista e escritor italiano Gianni Rodari (1920-1980), que, em 1970, ganhou o Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante concedido a escritores de literatura infantojuvenil. 


Fábulas por telefone foi publicado no Brasil em 2018, em tradução de Silvana Cobucci Leite e ilustrações do artista italiano Bruno Munari, numa época em que o pensamento crítico e a criatividade, valorizados pelo escritor italiano, vinham (ainda vêm!) sendo postos em xeque por aqui em prol da ideia de ordem e de disciplina, principalmente nas escolas, que têm como público-alvo as crianças.  


Para o escritor, “a criança é uma personalidade completa e aberta antes que sua socialização e a educação a que a submetemos lhe adaptem à sociedade em que cresce, aos seus fins, ressaltando somente as qualidades que servem para esta adaptação e qualificando de inadaptada a criança que não se dedica a essa única linha e que não aceita estar feita para um mundo que somente contempla uma parte dela e não tudo aquilo que pode ser”.


Foi levando em consideração essa ideia de criança que Rodari escreveu para os pequenos leitores, sempre possibilitando que estes tivessem liberdade de fazer suas próprias leituras e de chegar às suas próprias conclusões; por isso, talvez, em Fábulas por telefone, histórias que um pai viajante conta à sua filha por telefone, diferentemente das fábulas tradicionais, como as de Esopo, por exemplo, não há “moral da história”. Em “O jovem camarão”, o protagonista decide andar para a frente, e não para trás, como todos os de sua espécie, e aprende a fazê-lo, ainda que tenha sido alertado por um velho que, por ter tentado fazer o mesmo, fora alijado da sociedade. O crustáceo segue andando para a frente por convicção. O final dessa narrativa não é conclusivo, cabe à imaginação de cada leitor: “Será que foi longe? Será que teve sorte? Conseguirá corrigir todas as coisas erradas deste mundo? Não sabemos, porque ele ainda está marchando com a coragem e a decisão do primeiro dia. Podemos apenas desejar-lhe, de todo o coração: ‘Boa viagem!’”.    


Rodari também não tem medo de falar de temas considerados “tabus” para os pequenos. A morte é o mote de algumas de suas fábulas: Em “A mocinha que contava espirros”, a protagonista morre no final; o mesmo fim tem a velhinha de “A velha tia Ada”. Em “O rei que ia morrer”, a morte não é tão abrupta quanto as anteriormente citadas, pois é a doença que vai lhe tirando a vida aos poucos.


Há ainda, nessas fábulas, países distópicos como “O país que começa com des”, ou “O país sem ponta”, no qual a punição para quem pratica algo ilícito é dar tapas em inocentes, algo tão injusto que, explica o guarda do país: “— [...] para não serem obrigadas a estapear pobres inocentes, tomam todo o cuidado para não fazer nada contra a lei”. Rodari escreveu seus livros nos “anos de chumbo”, em que o terrorismo de extrema-direita e de extrema-esquerda fazia vítimas inocentes pelo país. Parece-me que, em tempos de luta por armas para todos, essa fábula vem a calhar.  


O escritor relê algumas histórias clássicas: “Rua de Chocolate” alude a “João e Maria”; já “Alice cai-cai” é uma clara referência à personagem de Lewis Carroll, e não é só aí que ela aparece.


As ilustrações de Bruno Munari (1907-1998) destacam elementos da Arte Concreta, movimento que ele ajudou a fundar, com suas formas geométricas, feitas de linhas e pontos.


______________________________________________________________________________________

 

Dirce Waltrick do Amarante é autora de livros para crianças como A natureza das coisas e outros contos, Meu pai é um Vampiro e Meus pais são zumbis. Autora de livros de ensaios sobre literatura infantojuvenil como Pequena Biblioteca para pais e professores e As antenas do caracol; notas sobre a literatura infantojuvenil.

 

 

 

4 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentarios


bottom of page