Por Claudio Daniel

Berço de lírios, nova reunião de poemas de Daniela Pace Devisate, é um pequeno catálogo de epifanias. Mircea Eliade, no Tratado de história das religiões, define epifania (do grego epi, sobre, phaino, brilhar) como a manifestação inesperada do divino ou o acesso súbito à sabedoria, tal como no satôri zen-budista, nas revelações obtidas em sonhos, transes xamânicos ou experiências rituais com alucinógenos. O conceito de epifania passou a ser usado na modernidade por autores como James Joyce, num contexto laico e profano, para designar percepções estéticas que causam uma reação emocional intensa de horror ou deslumbramento. Esta é a palavra que me ocorre – a partir da epígrafe da própria poeta – para definir a experiência de leitura deste livro, que nos seduz já a partir do primeiro poema, o dístico “Tenho uma árvore / no lugar do coração”, enigma com certo sabor dos oráculos das pitonisas. Há todo um bestiário nas composições deste volume, em que encontramos pardais, abelhas, aranhas, tigres, borboletas e outros animais, insetos e aves, capturados por um olhar fanopaico, que funciona como uma câmera de cinema. As imagens retiradas da natureza e do cotidiano são editadas no estúdio da mente e o resultado são fotogramas poéticos que nos surpreendem com o inusitado de estranhas narrativas, próximas a um quase-surrealismo, como acontece na composição Paz noturna: “Cornucópia de silêncios / o lírio-trombeta / toca sua música verde e branca / estrelas que nascem / tilintam delicados sinos / e o som de um arroio / arremata a orquestra / de sapos / o suave cetim negro do céu / eu faço de fronha”. A exploração do universo sensorial, o sensualismo e a sinestesia estão presentes na poesia de Daniela Pace Devisate desde os seus primeiros livros e aqui também mergulhamos em imagens e sonoridades de intensa beleza. A lógica da metamorfose, a la Lautréamont, é outra característica desta lírica intimista, como lemos em Floresta de símbolos (título que nos faz lembrar de Charles Baudelaire): “ Na mata cerrada das palavras / algumas árvores são lendas / mas as flores são poemas”. A dimensão do sagrado é outro aspecto sempre presente nos poemas da autora, seja na incorporação órfica das divindades gregas, seja no diálogo com o sufismo e, sobretudo, na visão do sagrado presente na própria natureza: “vi o pequeno espelho do mundo na perfeição da gota de orvalho atravessada pela primeira flama do sol”, como ela nos diz em Aurora. Os três livros de poesia publicados pela autora – Tantos quartos lunares, Véus de alethea e agora este Berço de lírios revelam uma autora madura, de voz própria, que já ocupa um lugar no que há de melhor na literatura brasileira contemporânea.
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