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“Colonizados até os ossos”

Dirce Waltrick do Amarante

6 de ago. de 2023

Sobre uma entrevista com o escritor angolano Eduardo Agualusa no UOL

No dia 2 de julho, foi publicada uma entrevista com o escritor angolano Eduardo Agualusa no UOL. As perguntas feitas a ele giravam, sobretudo, em torno da reação de Itamar Vieira Júnior às críticas pouco festivas feitas aos seus dois romances, um deles best-seller.


Essas mesmas perguntas foram enviadas para várias pessoas. Segundo o jornalista responsável pela matéria, foram ouvidos “homens e mulheres, brancos e pretos, oriundos do centro e também de lugares historicamente subalternizados”. De modo que o UOL teria buscado “ouvir e dar voz a todos”. Sua intenção era ampliar o diálogo.


Optou-se, no final, por dar voz só a alguns. Na matéria principal sobre o tema, o destaque foi para Agualusa, sob o pretexto de que ele teria começado a discussão. Ademais, o escritor angolano teria sido "criticado sem direito de resposta". 


O debate não começou com ele, começou disperso: vozes se levantaram para perguntar o que acontece quanto um escritor não aceita opiniões desfavoráveis a respeito seus textos.


É interessante e importante que Agualusa fale, mas o que me chamou a atenção foi o fato de não se ter ouvido as duas críticas, Fabiana Moraes e Lígia Diniz, atacadas pelo escritor brasileiro, quando publicaram seus artigos. Por que não foram entrevistadas? Moraes, do “Intercept”, mesmo já tendo respondido publicamente ao ataque Itamar Vieira Júnior, poderia ter engrossado o caldo desse debate tão importante. Lígia Diniz, a segunda a ser atacada pelo autor best-seller brasileiro, poderia ter sido igualmente chamada. Se foram convidadas e não responderam, talvez essa informação pudesse ficar clara para o leitor.


Lamento muito a forma como essa discussão tem se desenrolado, saindo da obra e entrando em questões pessoais. Li a crítica da Lígia, que destacou passagens que ela considerou muito bem resolvidas, sem deixar, porém, de trazer à tona o que considerou fragilidades da obra.


Outra questão que me intrigou foi: por que deram voz apenas a um escritor branco e angolano na matéria principal? Vale destacar que Agualusa, quando responde à primeira pergunta da entrevista -- sobre a razão de o espaço nos grandes veículos para a reflexão crítica sobre obras literárias ser cada vez menor --, alude à situação dos suplementos culturais e da crítica de literária na Europa. Ao final, faz uma brevíssima referência aos jornais lusófonos.


Quando se lê críticas dos séculos passados para mídias comerciais brasileiras, percebe-se claramente esse encolhimento. Basta uma passada de olhos, por exemplo, nos escritos de Sabato Magaldi, publicados em mídias comerciais e disponíveis em um único e alentado volume. Havia nas críticas de outras épocas, parece-me, uma abordagem mais densa e não meramente informativa. Talvez essa mudança se deva à falta de espaço: como desenvolver um tema em poucos caracteres? Talvez não interesse aos leitores dessas mídias textos longos e “complexos”. Há uma bela reflexão sobre isso em um livro do século passado, Nas sombras do amanhã, de Johan Huizinga.


Mas voltando às respostas de Agualusa, nelas o escritor fala do Brasil, do Apartheid etc. e sentencia: "O Brasil precisa se descolonizar, é preciso que a maioria de origem africana alcance o poder a que tem direito, em todas as esferas da sociedade brasileira, ou seja, a nível político, econômico e cultura... ".


Não deixa de ser verdade. Colonizados que somos, talvez só conseguiremos absorver isso se um escritor angolano, com fortes vínculos em Portugal, nos abrir os olhos. Em uma entrevista online para Lenerson Polonini, da Companhia Nova de Teatro, no último sábado, dia 15, Ailton Krenak fez questão de destacar, com toda razão, que “somos colonizados até o osso”. Aliás, Angola deve também sofrer do mesmo problema que o Brasil.


A propósito de Portugal, Itamar Vieira Júnior ganhou projeção, primeiramente, no país que nos colonizou e do qual herdamos a língua.


Mas, nessa matéria que estou comentando, o problema não é Itamar nem Agualusa, o problema é a forma do debate, o qual foi publicado sem expandir o diálogo, mesmo que a intenção fosse essa. Das inúmeras vozes “ouvidas” para compor a matéria, só algumas reverberaram, e em uma matéria paralela àquela principal! Nela, algumas mulheres se pronunciaram, embora nenhuma da periferia do Brasil. Alguns negros também estão lá, mas nenhum indígena.


Só posso concluir concordando com a artista e ativista chilena Cecilia Vicuña: “o que fica de fora talvez seja o mais importante”.

 

 

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