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Canto de Ossanha - para estranhar


Adriano B. Espíndola Santos

18 de jun. de 2023

Sobre a canção Canto de Ossanha, de Vinícius de Moraes e Baden Powell.

A canção Canto de Ossanha, de Vinícius de Moraes e Baden Powell, releva a verve da linguagem literária dos poetas quanto ao desígnio do estranhamento, que é bem diferente da linguagem do cotidiano. Em linguagem, fala-se de expressão humano, que é direcionada a um receptor para mostrar-lhe, pelo estranhamento causado pela poesia, uma percepção fora do ordinário, do lugar-comum.


Viktor Chklóvski aborda em “Procedimento de Estranhamento” que o alvo da arte é a particularização do objeto; “a arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o que é já é ‘passado’ não importa para a arte (GONÇALVES apud CHKLOVSKI, 1976, p.45)”. Guerizoli-Kempinska (2010, p. 64) diz que “O ‘estranhamento’ carrega traços da situação de sua elaboração nas condições de ruptura dos limites entre arte e vida”. A poesia, que é a arte, deve aflorar no receptor a inquietação.


Conforme os estudos de Teoria Literária, identificam-se na canção em tela a função poética, que enfatiza a mensagem estética, com linguagens subjetiva e simbólica, e que dialoga com outras linguagens culturais, e elementos que a constituem: emissor ou provocador, em se tratando de poesia, o que produz o início da comunicação, o poeta; receptor, a quem se destina a mensagem, o leitor/ouvinte destinatário; contexto, com o qual a mensagem se refere, Canto de Ossanha; mensagem, o texto em si, o conteúdo; código, que é a fonte poética da narração; canal, que é a poesia, a letra da música.


Sobre a análise poética de canção, é imperioso trazer à baila a compreensão de MORAIS (2013, p.101), que relata o místico envolvido na lírica de Vinícius, e que “Toda a afirmação é negada e não há o que resista à impermanência do existir”. Ou seja, os versos são seguidos de negação, que remetem à impermanência e a ambiguidade de estar. Vê-se que são mensagens versadas de forma diretas e simples, mas embasadas em enunciados contundentes. Nessa cadeia de negação e afirmação, a letra se torna complexa, é a ênfase que se dá à dialética e às circunstâncias moventes da vida. Sobre a dialética, Bakhtin aborda que o locutor, quando se dirige ao receptor, é acompanhado pelo discurso sócio-histórico, que suplanta a função referencial-informativa, para a consecução dos processos ideológicos.


O encadeamento das estrofes mostra o desenvolvimento, com a repercussão do canto de alerta do orixá. É preciso que se diga que Ossanha é o senhor, e por isso o que se pretende, em termos de trabalho, necessita de sua autorização. Sendo ele orixá é ambíguo por essência. Pode ser considerado como traidor e o que demanda o movimento. No mesmo verso nota-se a provocação: “vai, vai, vai, vai!”, e a negação: “não vou!”, em repetição. E logo o refrão surge para uma nova negação: “Não vou que eu não sou ninguém de ir [...]”. É declarado que a personagem só vai se for para o novo, enfrentando a dialética: “Não, eu só vou se for pra ver uma estrela aparecer na manhã de um novo amor!”. Pode-se dizer que a dialética viniciana espelha a vida; é um ir e vir estranho e assaz angustiante.


O autor reforça o uso de expressões em versos, estrofes, rimas, refrão, ritmo e repetição de fonemas, que intensificam o caráter poético da canção, com típicas figuras de linguagem: as repetições (tautologia), a antítese (ideias contrárias), que aguçam o estranhamento, evitando, e muito, o lugar-comum.


Acerca da poesia, ela supera a prosa no sentido da complexidade de signos impregnados, transcendendo a esfera pragmática para a musical. Assim, com os ensinamentos de Saussure, percebe-se a multiplicidade de dimensões tocadas; que, por exemplo, significado e significante atuam no enredamento de Canto de Ossanha, pois que o primeiro transmite a imagem acústica, enquanto o segundo é a ideia que se faz do signo, o conceito. Alcançam-se, por certo, as imagens formuladas pelos fonemas e versos. Portanto, a “poesia é o tipo de mensagem linguística em que o significante é tão visível quanto o significado”. (HOFFMANN e FUMAGALLI apud MERQUIOR, l997, p. 17).

 

Referências

 

GONÇALVES, Rodrigo. Material didático da disciplina Tópicos Avançados da Teoria Literária – Grupo Ser Educacional, 2020.

 

GUERIZOLI-KEMPINSKA, Olga. O estranhamento: um exílio repentino da percepção. Gragoatá. Niterói, n. 29, p. 63-72, 2. sem. 2010.

 

HOFFMANN, Adriane Ester; FUMAGALLI, Rita de Cássia Dias Verdi. Des + equilibr + ista(s): a poética e o signo linguístico. Caderno de Letras, Pelotas, n. 36, jan.-abr. (2020). Disponível em: < https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/cadernodeletras/index>. Acesso em: 16 maio 2023.

 

MORAIS, Isabela. É, NÃO SOU: ensaios sobre os afro-sambas no tempo e no espaço / Isabela Martins de Morais e Silva. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2013.

 

RAMOS, André Gonçalves.  As (diferentes) funções da linguagem: contribuições de

Jakobson e Vygotsky. REVISTA MEMENTO. V.4, n.1, jan.-jun. 2013. Revista do mestrado em Letras Linguagem, Discurso e Cultura – UNINCOR.

 

RODRIGUES, Rômulo da Silva Vargas. Saussure e a definição da língua como objeto de estudos. ReVEL. Edição especial n. 2, 2008. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br].

 

 

 

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