Astier Basílio
10 de ago. de 2024
"E sem quaisquer pregos"...
De São Petersburgo para Moscou, viajei na última terça de trem. Ao folhear a revista dos passageiros da empresa estatal rdz, me deparei com uma matéria sobre as construções medievais russas que usavam apenas madeira e serrotes especiais. O título era: "E sem quaisquer pregos" ("и никаких гвоздей").
Na manchete se faz citação a um dos mais famosos poemas de Vladimir Maiakovski, amplamente conhecido do público brasileiro por causa do filme Olga. Em uma das cenas mais dramáticas da película, a revolucionária alemã, ao ser torturada, recitou:
luminar para sempre,
iluminar tudo
Até os últimos dias da eternidade
Iluminar, iluminar e só
Eis o meu lema e o do sol.
Desconheço o autor dessa tradução que, por alguma razão, omitiu, justamente, a expressão "E sem quaisquer pregos", uma expressão idiomática que de acordo com o dicionário editado por Dmitri Ushakov significa "basta", "e mais nada". O que dá um toque genial à manchete referida anteriormente: as casas eram feitas sem pregos e nada mais do que madeira.
Em uma tradução para o inglês, presente no livro The Bedbug and Selected Poetry (1960), a dupla Max Hayward e George Reavey encontrou uma solução bem peculiar:
always to shine
to shine everywhere
to the very deeps of the last days,
to shine
and to hell with everything else! -
That is my motto -
and the sun 's.
O curioso é que a expressão "sem quaisquer pregos" se tornou em inglês "e vá ao inferno tudo isso!". Em 1965, era praticamente isto o que cantava Roberto Carlos, o Rei da Jovem Guarda, no refrão de uma de suas músicas mais famosas daquela época e literalmente citada por Augusto de Campos em tradução sua que figurou na antologia Moderna Poesia Russa (1968), organizada por ele, seu irmão Haroldo e Boris Schnaiderman:
Brilhar para sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo o mais vá prá o inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.