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O QUE QUEREMOS SABER?

Dirce Waltrick do Amarante

7 de mai. de 2023

Desde que o ChatGPT foi anunciado, ele se tornou o centro das atenções e preocupações, não sem razão (...)

Desde que o ChatGPT foi anunciado, ele se tornou o centro das atenções e preocupações, não sem razão, pois chegou ameaçando empregos, inclusive, quem diria, os que exigem a criatividade do profissional. Essa ferramenta de inteligência artificial promete imitar o estilo de escritores, ensaístas, roteiristas etc. E tem cumprido a promessa ou, pelo menos, enganado aqueles que têm pouca familiaridade com as questões estéticas próprias dessas atividades criativas.


O certo é que a máquina suscitou curiosidade e não têm sido poucas as perguntas dirigidas a ela. Eu mesma caí na tentação e pedi ao ChatGPT que escrevesse um texto dramatúrgico à moda do escritor romeno Eugène Ionesco e de Machado de Assis. Minha intenção era saber como ele trabalharia com ideias, estilos e épocas diferentes. A ferramenta de inteligência artificial cumpriu a missão, como um bom funcionário ou aluno que cumpre seus deveres sem maiores reflexões. Ela me entregou um texto que, acredito, deixaria os leitores que conhecem minimamente as obras de Ionesco e de Machado de Assis tão irritados e sem paciências quanto o professor da peça A lição, do escritor romeno.       


Acompanhando as entrevistas (das sérias às jocosas) com a inteligência artificial, tive a impressão de que a maior parte delas só se salva graças às perguntas dos entrevistadores, essas muito mais criativas e instigantes do que as respostas meramente protocolares da máquina. A propósito, suas réplicas lembram muito aquelas elaboradas por uma preceptora do escritor argentino Alberto Manguel, as quais “eram sempre breves, factuais, não permitindo réplica ou discussão”, conforme ele narra no ensaio “O que queremos saber?”, em tradução de Paulo Geiger,

No colégio, Manguel descobriria que, na realidade, as perguntas eram mais excitantes que as respostas, pois, no ato de questionar, havia sempre a “emoção da busca, de promessa de algo que tomava forma enquanto acontecia”. Essa epifania se deu quando um professor perguntou a ele e a seus colegas o que queriam saber. Depois de alguns longos minutos de assombro, alguém se atreveu a fazer um questionamento, e as palavras do professor, nesse momento, foram “menos uma resposta do que uma dica para outra pergunta”.


O ChatGPT, como a preceptora do Manguel, também responde às questões colocadas, na maioria das vezes dando respostas corretas, ainda que superficiais e sem muitas aberturas para o contraditório. Quando perguntada sobre autoria, por exemplo, a máquina aborda o tema do ponto de vista eurocêntrico e ignora práticas discursivas dos povos originários.


Portanto, no diálogo com a inteligência artificial, a visão crítica do usuário é fundamental, pois só ele seria capaz de contestar a máquina e seu criador (os humanos que a alimentam).  Resta saber, contudo, se o usuário está disposto a isso. 


Nesse sentido, a meu ver, não é só o uso indiscriminado das ferramentas artificiais que deveria nos preocupar. O foco da atenção deveria estar voltado também para a falta de interesse e de curiosidade das pessoas, as quais têm buscado, cada vez mais, respostas prontas, rápidas e definitivas para tudo.

Mesmo na escola, onde se deveria aprender a pensar, os temas abordados parecem não ser mais suficientes para criar a tal “emoção da busca”, que desemboca em questionamentos genuínos. Os professores têm consciência desse fato, assim como têm consciência de que muitas vezes as ferramentas de inteligência artificial são usadas por determinados alunos sem nenhum critério, mas com o único objetivo de cumprir tarefas obrigatórias, a fim de alcançarem o conceito necessário para passar de ano. É bem verdade que o desinteresse dos estudantes não é novo, afinal, já em séculos passados não foram poucos os que copiaram as respostas de enciclopédias, de artigos, de colegas (a famosa cola) etc., sem procurarem entender de fato o que estavam falando. Não é raro também que o próprio professor esqueça a “emoção da busca”, ficando preso, por razões diversas, a seu “pequeno” território de atuação.


Em Do que é feito a maçã: seis conversas sobre amor, culpa e outros prazeres, de 2018, também em tradução de Paulo Geiger, o escritor israelense Amós Oz, dialogando com a sua editora Shira Hadad, lembra que quando era jovem, escritores e poetas exerciam influência na vida das pessoas, principalmente nas épocas revolucionárias.


Oz compara o escritor a um cego que guia um transeunte pela escuridão de uma cidade. Nas épocas revolucionárias, estaríamos na escuridão, e as ideias de escritores, poetas, artistas serviriam de guias, mas “em situações normais, quando há luz na rua, e há táxis e ônibus, e isso e aquilo, quem precisa de um cego para lhe mostrar o caminho?”.


Não estamos em tempos normais: a ascensão da extrema-direita, a ameaça da perda de direitos adquiridos etc. são a prova concreta disso. Mas uma luz artificial, emitida por inteligências artificias, gera uma atmosfera de falsa normalidade e, por isso, seguimos sem a necessidade de guias, ainda que, sem saber, estejamos perdidos nessa claridade absoluta. Seguimos, então, de um modo geral, cumprindo o que nos é pedido, como faz ChatGPT. “Um manda o outro obedece”, disse uma vez um general. 

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Crédito da imagem: Sérgio Medeiros.

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