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Voos panorâmicos e a poesia de Antônio Mariano

Foto do escritor: jornalbanquetejornalbanquete

Por Ana Elisa Ribeiro


O poeta celebra seu aniversário, mas, antes, celebra a poesia, os livros, o imperioso gesto de tornar conjuntos de versos em livros e de reiterá-los, inclusive à força persistente de quem nem sempre encontra o devido espaço – e as amplificações de sua voz – no mercado editorial brasileiro. Nesse sentido, é preciso celebrar também a edição independente e sua lâmina de abrir caminhos.


Havia pássaros em mim (Selinho Editorial, 2024) reúne poemas de todas as fases de Antônio Mariano, que já, de saída, avisa: “poeta não é/ alma benfazeja/ em estrela deserta”. Na voz lírica desse escritor, passamos ao largo da monotonia para chegar bem perto do balanço de um provocador incisivo e preciso. O livro é dividido em partes – “Voos rasantes”, “Asas cortadas” e “Voos livres” –, bastante equilibradas em termos de extensão, mas separadas por diferentes pegadas.


De todo modo, a qualquer tempo ou página, encontramos uma aproximação importante: o poeta (e a poeta, digo), para esta voz lírica reivindicante, “difere de um trabalhador qualquer”, ao passo que ele também sabe que, à maneira do fingidor de Fernando Pessoa, “forjar a própria vida/ tem seu preço”. Fingir ou forjar não são gratuidades. E, aqui, paga-se o custo. Parte desses poemas insistem – ainda bem – na metalinguagem ou na metacrítica, a exemplo do ótimo e brevíssimo “Sádico”, em que se lê: “Poema bruto/ aquele puto/ que pedia/ pra apanhar/ até tomar jeito/ de poesia”. A despeito da metáfora violenta, “tomar jeito de poesia” só acontece ao custo do trabalho. Para mais exemplos, é ler e deixar marcados “O poeta e a poesia” (a seguir transcrito) ou um outro, em que o “poeta de março, escreve breve/ que te escuto: poemas curtos/ fazem estardalhaço”. Os nem tão curtos, também.

 

Minha poesia,

cadela hidrófoba

acuada,

balançando o rabo,

ganindo súplicas

quando contempla

a madrugada

pela soleira da porta

entre raios e trovões,

o mundo em tempestade.

 

Ponha-se daqui

pra fora, grito

pouco convicto.

 

Raro, raro obedece.

No mais, se mija

de medo, desfalece.

 

E, para dar o exemplo,

olhos que não vazam o breu,

na fria chuva de vento,

se ela não vai,

saio eu.

 

Além das questões da própria linguagem, neste livro, Antônio Mariano não suaviza nossas mazelas políticas. Em “Varanda”, é possível quase reviver certo período triste de nossa história recente, pré e durante a pandemia: “Um ato político/ ou pobre retreta?// Ela bate panela,/ ele toca punheta”; ou nossos pets desfilando durante as lives ou webchamadas: “gato/ que chato/ saltando nas teclas/ bagunçando aquela prosa/ que era promessa”. De outro ângulo, estão aí também as infâncias pobres e sacrificadas deste país, assim como as desigualdades que jamais corrigimos. Esses aspectos são também relatados na breve biografia do poeta, ao final do volume, que merece leitura tanto quanto seus versos.


E já que toquei em Fernando Pessoa e seu célebre fingidor, não custa dizer que estão aqui, pelas frestas das estrofes de Antônio Mariano, outros escritores ou referências inescapáveis, como Homero e seus semideuses, alguns filósofos, mas especialmente Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, de quem se ouve o contracanto em “Sempre tristes”:

 

Poetas terrenos

discutem.

 

Aos filósofos,

cicuta.

 

Certo, ninguém é feliz. 

 

E ao poeta cósmico

angustiam

os besouros do nariz.

 

Está feito o convite para a celebração do gesto poético de Antônio Mariano nesta Terra. Mesmo que certa melancolia transpareça, já que a linha do tempo vai ficando maior para trás do que para frente, a poesia pode ser eternamente celebrada, das varandas, dos quintais e dos céus, onde voam os pássaros desse poeta que odeia com doçura e escreve com fervor. Leiamos!

 

 

 

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