A POESIA DE QUATRO: sobre Poemas do amor, de Amador Ribeiro Neto
- jornalbanquete

- 9 de nov.
- 4 min de leitura
Por Jardel Dias Cavalcanti

Nos tempos atuais, com o mundo se convertendo em um convento de freirinhas pudicas quando se trata de manifestações eróticas na arte, eis que surge um livro desbocado, disposto a colocar entre suas páginas – como se fossem pernas abertas – toda a potência, toda a malícia, toda a delícia dos encontros amorosos de natureza sexual. Trata-se do livro Poemas do amor, de Amador Ribeiro Neto.
Agora os versos vão ter que se lambuzar na sensualidade das palavras “chulas”, vão ter que clamar por mais e mais prazer na linguística união de palavrões, penetrações e seduções, ou seja, no vocabulário da sacanagem: comer, meter, peito, pau, xota, periquita, buraco, xoxota, cu, saco, pica e… por aí vai e vem, vai e vem, vai e vem…
Essa trepação lírica tem que ter movimento. Saber fazer a língua poética falar na forma aquilo que acontece nas carnes que se possuem ou se desejam arrebatadamente. E Amador (e que nome para um poeta que escreve sobre o amor!) Ribeiro Neto descentraliza o corpo dos poemas para fazê-los andar nas trilhas do desejo. As rimas dão conta da esfregação a que os corpos se submetem. Elas sugerem o andamento de uma foda aqui, uma felação ali, uma enrabada acolá. Têm energia de sobra para a carga de tesão que suportam.
Um livro lúdico, como a brincadeira dos amantes na cama, no beco, na sombra. Um jogral de palavras e versos que se pode chamar de pornográficos ou eróticos. Mas, afinal, qual a diferença? “Pornografia é o erotismo dos outros”, dizia Alain Robbe-Grillet. Em seu livro, Poemas do amor, Amador Ribeiro reúne uma quantidade grande de poemas que nos faz mergulhar nas zonas úmidas, deslizantes, obscuras da paixão que a carne provoca, e isso é puro prazer da leitura.
Bom poeta esse Amador, que seguiu a lição (de Leminski): “se você não consegue fazer as palavras gozarem, não as masturbe”. Mandou ver no gozo da linguagem (Barthes). Uma provocação “obscena” levada a termo o seu livro, onde cu é cu, buceta é buceta, pau é pau. E se o poeta aqui está para exibir aquilo que fica fora de cena (o obsceno, aquilo que não se apresenta no cotidiano, aquilo que se esconde), coitado do leitor que se aproximar desse Poemas do amor pudicamente. Perderá a chance de provar do indesejável, do proibido, do escandaloso, do verbo-verso cru e nu. Portanto, não se faça, leitor, de santo da moral e dos bons costumes da literatura. Já tivemos Sade, Genet, Safo, Horácio, Marcial, Aretino, Wilde, Gregório de Matos, Lawrence, Nabokov, para ficar apenas na ponta clássica do iceberg erótico que nos educou na liberdade lítero-sexual. Já tivemos, ao contrário, o escândalo dos moralistas de plantão e sua condenação de Madame Bovary,1 As flores do mal e tantos outros. A moral já deu seus chiliques histéricos diante da luxúria dos textos amorais da literatura mundial. Basta!
No livro de Amador Ribeiro, nada de fissura ou frescura, a poesia é do gozo, o sôfrego desejo se realizando, “ao revés/ às vezes/ de revés/ mil vezes/ nós”, como no poema-ménage denominado “Pau”. Cidades, bairros e bares são espaços para a putaria começar; um corpo, dois corpos, um cu, uma buceta e tudo pode acontecer. O que importa ao poeta é que a trama dos corpos não se arrefeça em dócil descrição, aqui a libidinagem desregrada do verso é a lei.
Que o poema enrijeça seus versos para que a fodeção não caia numa frouxidão verbal. Nada de pau mole, buceta seca ou cu contraído. Os poemas têm que ser do caralho! E são, nas mãos de Amador Ribeiro mesmo quando minimalistas como “Seja homem/ seja viado.” ou no poema “é/ c u”, onde a forma aberta das vogais “é” e “u” se separa como um cu aberto ou, melhor dizendo, arrombado.
O gracioso poema zen-erótico “Gaynastê” é pura diversão com o mantra budista: “o gay que mora em mim revela o gay que desenruste em ti”. Outro, agora um poema para Marcel Duchamp, brincando com o criador do ready-made, composto no ritmo mesmo de uma sôfrega relação sexual que culmina no gozo:
MARCEL
de/ novo/ faz/ ready made/ faz/ bróder/ de/ novo/ ovo/ a/ ovo/ pau/ a/ pau/ vai/ marcel/ desvira/ ajeita/ insiste/ persiste/ assim/ na maciota/ nóis dois/ na duna/ não faz/ fricote/ manda/ ver/ vai/ vai/ champ/ champ/ vai/ vai/ ai/ ai/ de/ maisssss/ fastwwebttjdljeifastrrkkfastjfledjendlfastvapt/ tu é difícil/ mas valeu/ orra meu
Cumpre dizer que o fato de Poemas do amor ser um livro de poesia erótica não o desqualifica como literatura. Ao contrário, o que temos aqui é a renovação da forma poética a partir da imaginação proveniente da libido livre de recalques. É um fertilizante para a linguagem a experiência que desde os gregos e romanos culminou em obras de arte que também libertavam a imaginação erótica (veja-se a arte erótica dos vasos gregos e dos afrescos de Pompeia). O fato de uma tensão erótica intensa produzir um corte no verso, exigir uma determinada rima, definir uma aliteração e dar um ritmo ao poema, próximo, às vezes, do ato sexual, já é em si um ganho para a literatura.
Amador não privilegia o homoerotismo masculino no seu livro. Se é para gozar na língua da poesia, cabe a todos o direito ao prazer subversivo do sexo malcomportado. Por isso, as palavras buceta e xoxota têm tanta presença quanto cu e/ou pau e caralho. Todos aqui são homenagayados. Tem pau para toda obra (poética), como tem buracos,
língua e dedo para toda obscenidade linguística na transa das sáficas, como no poema
“Recife”:
RECIFE
fode minha boceta com tua língua ígnea
amada minha
fode doce fode molhado fode duro fode furo
mete o dedo no grelo
esfrega esfrega esfrega inté ficar teso tesudo
chupa
baba lambuza
me arremessa ao paraíso
de milton me engolfa no inferno
de dante
extasiadas saciadas acordemos
num ponto da noite do recife
nós duas ensandecidas fissuradas nuas
esfomeadas de ruas pontes
luas
e de
nossos outros frevos
É sua chance, leitor, de deitar e rolar com a poesia erótica de Amador Ribeiro, antes que os moralistas cheguem! Aproveite!
Nota:
1 Todo o processo do Tribunal Correcional de Paris contra Gustave Flaubert e sua obra Madame Bovary pode ser lido na seguinte edição: AJAC, Bernard. Madame Bovary, suivi des actes du procès. Paris: Flammarion, 1986. É um tratado sobre a ignorância aliada ao moralismo contra a arte.





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