O sopro da serpente emplumada: mil e uma cores na poética de Claudio Daniel
- jornalbanquete

- 9 de nov.
- 2 min de leitura
Por Patrícia Marcondes de Barros

Claudio Daniel, pseudônimo de Cláudio Alexandre de Barros Teixeira, é poeta, professor no Laboratório de Criação Poética, tradutor e ensaísta paulistano reconhecido pela amplitude de suas referências culturais e pela intensidade de sua linguagem poética. Em sua recente obra publicada Cabeza de Serpiente Emplumada, imagens míticas de diferentes tradições entrelaçam-se à voz crítica e insurgente do presente, sustentando um diálogo vibrante entre o mítico e o político, o sagrado e o profano.
Na tradição mesoamericana, a serpente emplumada configura-se como símbolo do encontro entre diferentes dimensões, céu e terra, corpo e espírito, humano e divino. Associada ao subterrâneo e à fertilidade, a serpente, ao adquirir plumas, ganha uma dimensão aérea e solar, tornando-se mediadora das forças opostas e expressão da consciência, da visão, do sopro e da voz. Quetzalcóatl, divindade vinculada ao vento e ao movimento, transita entre música, rito e denúncia. Nesse limiar entre o visível e o invisível, aproxima-se da poética de Cláudio Rodrigues, também presente na obra.
Registro Olmeca
A serpente emplumada
Na parede da caverna,
entre o mundo e o inframundo,
com suas plumas de luz
misteriosamente aparece
como quem desaparece.
Serpente-luz de tinta e pedra (p.113).
As influências que atravessam a obra são múltiplas e reveladoras: a pintura visceral de Francis Bacon, revisitada pelo poeta por ocasião da exposição no MASP em 2024; o jazz de Charles Mingus, Thelonious Monk, John Coltrane e Charlie Parker, que reverbera no ritmo e no improviso dos versos; e a intensidade cromática de Monet, Gauguin e Van Gogh, que se traduz em imagens que exploram a tensão entre o visível e o emocional, entre a experiência estética e a vertigem da linguagem. O livro incorpora ainda as quatro lâminas de Francisco dos Santos, em diálogo com os símbolos da serpente emplumada, ampliando a experiência estética e sinestésica do leitor. O poema dedicado a Van Gogh, em que o céu estrelado deixa de ser espaço de transcendência e se revela como abismo íntimo é um dos momentos mais marcantes da obra:
Céu estrelado
Para Vincent van Gogh
A noite é um abismo
que engole o mundo.
Estrelas são lágrimas
que caem do olho de Deus.
Vento-lamento
sacode as árvores.
Folhas-suspiro
ecoam no silêncio.
A lua é um olho
que vigia o mundo
e sombras, fantasmas
que dançam no breu.
No céu estrelado
ele encontrou o sentido
ou a ausência de sentido.
A cor é uma ferida
que nunca cicatriza.
No céu estrelado
onde estrelas são chagas (p.67).
Aqui, o cosmos se confunde com a dor existencial: a noite transforma-se em abismo, as estrelas deixam de ser promessa para converter-se em lágrimas e chagas. O vento se faz metáfora do tempo; as folhas, suspiros; a lua, um olho sempre vigilante. Tudo compõe uma paisagem na qual o sujeito oscila entre a busca de sentido e a percepção de sua ausência.
Cabeza de Serpiente Emplumada conta com apresentação da Profa. Susanna Busato, cuja leitura sensível e rigorosa destaca as camadas simbólicas e a força imagética da obra, inserindo-a no diálogo entre mito, poesia e arte contemporânea. Publicado pela Arribaçã Editora, o livro está disponível em: arribaca-editora.lojaintegrada.com.br/cabeza-de-serpiente
.





Comentários