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A PSICO-REALIDADE INTRÍNSICA

Por Ademir Demarchi


A certa altura do romance de Cesar Augusto de Carvalho, Raul & Eu, o narrador, encontrando a figura de Paulo Coelho se espanta: “Como pode?! Bebi que só timbu, mas não estou maluco! E aquelas roupas pretas e aquela capa, de onde apareceram?! Parecia mais o Conde Drácula!” Não é de se espantar, afinal, pois essa ficção é inspirada na vida de Raul Seixas, que foi um guru inspirador do autor durante toda a vida. Tropeçar em Paulo Coelho seria inevitável e só o fazendo com senso de humor!


Tendo viajado pelo país inteiro em uma motocicleta 125 visitando comunidades alternativas nos anos 1980, ainda resistentes após o influxo crescente do boom da contracultura dos anos 1960 que vieram dos Estados Unidos, Cesar escreveu o livro Viagem ao Mundo Alternativo, a contracultura nos anos 80, que saiu pela Editora Unesp em 2008.


Poderia se dizer que a psicodelia, ou o cheiro de gasolina, não sei bem, continuou e chegou agora a esse Raul & Eu na forma de um romance de fundo policial em que o personagem principal e narrador parece estar saindo de um embalo ácido e, mal abrindo os olhos, embrenha-se numa bruma de fumaça que nada tem de canábica, pois se descobre acusado de um assassinato de uma mulher que estimava: “Coloquei o cigarro na boca e acendi o fósforo. Suas ironias aumentaram. Não pensei duas vezes, no lugar de dirigir o fósforo aceso ao cigarro, encostei-o no vestido. Minha ideia era apenas assustá-la, mas, para minha surpresa, o fogo logo se espalhou pelo tecido de lycra, altamente inflamável”.


No entanto buscar um culpado não parece ser o mais importante e poderíamos usar o diálogo dos personagens para chapar o coco: “Minha pretensão agora é outra. Quero que meus livros sirvam para orientar os desorientados. Atingir o alvo. Feito arqueiro. – E para isso vai fazer o Caminho de Santiago? Grande merda! – Não se trata de percorrer o Caminho, é mais do que isso. É mergulhar fundo dentro da gente. Só depois disso é que se pode produzir alguma coisa que preste. – Eu posso estar bêbado, mas acho que você continua megalomaníaco”.


Há alguma verdade aí, senão toda a verdade, pois poderíamos concluir que o Cesar seria mesmo uma espécie de megalomaníaco ao publicar agora nestes anos de chorume da insanidade do revival militaresco um livro trazendo a filosofia chapante dos anos 1960 aos 1980, uma filosofia vivida com o corpo naquele ambiente da ditadura, que chega opaca agora, mas com a fantasia de resistência e de desejo de retorno do senso de humor, ou de credo, não sei bem. Lido, constata-se: o livro veio com um defeito intrínseco: deixou de ter um encarte com um punhado de LSD ou de canabis.

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