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Agosto com gosto: Haroldo & Leminski, dois fabbros da poesia*

Por Mário Alex Rosa


Agora em agosto, Haroldo de Campos faria 94 anos e Paulo Leminski 79 anos. Dois poetas de trajetórias diferentes, de gerações distantes, mas nem por isso deixaram de dialogar, de se tornar amigos. Talvez um convívio breve, mas o suficiente para que a poesia fosse o elo entre os dois. Um mestre, um aprendiz. Tudo começou em 1963 quando o jovem e aventureiro Paulo Leminski viaja de carona para a “Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, que aconteceu em Belo Horizonte. De lá pra cá, viveram uma vida intensa dedicada à poesia. Mesmo com intervalos nos encontros, continuaram amigos e atentos à produção um do outro.


Na apresentação da edição de Caprichos & relaxos, em 1983 (os títulos dos seus livros sempre me pareceram achados substantivos e que casam bem com o próprio jeito do poeta), Haroldo de Campos anotava: “Foi em 1963, na ‘Semana Nacional de poesia de Vanguarda’, em Belo Horizonte, que Paulo Leminski nos apareceu, 18 ou 19 anos, Rimbaud curitibano com físico de judoca, escandindo versos homéricos, como se fosse um discípulo zen de Bashô, o Senhor Bananeira, recém-egresso do Templo Neopitagórico do simbolista filelênico Dario Veloso”. Por sua vez, Leminski, em 1985, na revista IstoÉ, resenhou o livro A educação dos cinco sentidos: “A julgar pela poesia de Haroldo, essa educação implica a passagem do sensorial pelo intelectual, do intelectual pelo sensorial. É uma poesia rica de cores e rica de ideias, como se as cores tivessem ideias. Muitas coisas nesta Educação vão surpreender o leitor de poesia, acostumado a um Haroldo construtivista e ‘erudito’. Em Haroldo, a erudição literária, realmente enciclopédica, nunca serviu como peso ou entrave para a criatividade, antes como ‘nutrimento de impulso’”. Essas duas citações dão conta da precisão e síntese de um e outro. Haroldo, com a sua percepção sensível e intelectual ao humano e a criação cultural, captou exemplarmente a inteligência humana dos caprichos e relaxos e às vezes distraída de Paulo Leminski. Já Leminski, com suas supostas distrações, soube, como leitor voraz que era de tudo que chegava às suas mãos, perceber “através da cultura que ele [Haroldo] vê e vive a vida, mas [também] através do humano que vê a vida e o mundo”. Em suma, vida e arte não se separam nos dois poetas, ao contrário, concretizam-se.


A revista Invenção, em seus quarto e quinto números (1964 e 1966, respectivamente), editada por Haroldo, Augusto, Décio Pignatari, Edgard Braga, entre outros, publicou alguns poemas do jovem Leminski, dando oportunidade para quem estava começando. Uma das funções de revistas literárias não é só publicar quem já tem uma estrada, mas arriscar e publicar poemas e poetas inéditos. Talvez essas publicações, mais que oferecer oportunidade para quem está começando, possam estar revelando um poeta promissor e que posteriormente dali saia um livro. Poesia livre.


Em Distraídos venceremos, de 1987, Leminski dedicaria um poema a Haroldo de Campos, com a seguinte dedicatória: “para Haroldo de Campos, translator maximus”:


o que quer dizer


O que quer dizer, diz.

Não fica dizendo

o que, um dia, eu sempre fiz.

Não fica só querendo, querendo,

coisa que eu nunca quis.

O que quer dizer, diz.

Só se dizendo num outro

o que, um dia, se disse,

um dia, vai ser feliz.


Em junho de 1989, um dia após a morte do amigo, Haroldo de Campos, estando no Rio de Janeiro, e certamente muito comovido e abalado com a perda do samurai mestiço, escreve este poema que aqui reproduzimos com a letra do poeta:


Ainda em 1989, e um mês da partida do amigo, Haroldo, estando em Curitiba, escreve outro poema para Leminski. Aqui também o registro da letra de Haroldo de Campos, pois assim, quem sabe, possa dar a sensação do sentido tátil das mãos do poeta sobre a folha em branco:


Abreviando muito, aqui quero chamar atenção para três referências, duas que Haroldo cita nos seus textos e uma de Leminski, que parece estar presente no poema dedicado a Haroldo de Campos. Vejamos: Haroldo refere o jovem poeta curitibano lembrando o “Templo Neopitagórico do simbolista filelênico Dario Veloso”. Ao trazer essas referências, Haroldo, nutrido de intelectualidade e humanidade, como observou o curitibano na resenha, “compara” o amigo, polaco mestiço, ao poeta Dario Veloso, intelectual, estudioso do mundo exotérico, mas, sobretudo poeta simbolista. Se o comportamento do poeta no século XIX foi um tanto “anarquista”, com o pensamento além do seu tempo, Leminski, no século XX, na capital paranaense, também esteve próximo de um comportamento livre de dogmas. Dois poetas intelectuais paranaenses cuja poesia valorizava os sons de cada sílaba, de cada palavra. E é pelo som que o poema “o que quero dizer”, de Leminski, capta a “passagem sensorial” que percebia na poesia do amigo concretista, a quem o dedicou.


Se o diálogo passou por primeiras impressões e por textos críticos (resenha), não menos foi a poesia como signo de uma amizade. Haroldo leu Leminski. Leminski leu Haroldo. A poesia foi um ímã. A amizade também.


Abaixo, a edição da coleção Buquinista publicada em 1993, conforme se lê no colofão.

Na capa, xilogravura e linóleo de Denise Roman.


Folha de Rosto


Oratório Para o Luto da poesia, de Guilherme Mansur


Assinatura do poeta Haroldo de Campos


Colofão


* Este texto vai para o Tipoeta Guilherme Mansur, meu amigo, de Ouro Preto. Haroldo de Campos batizou Guilherme Mansur de Tipoeta. O livro que aqui reproduzo foi presente de Guilherme.


Belo Horizonte, 13 de agosto de 2023

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** Mário Alex Rosa é poeta, autor dos livros Ouro Preto – Poemas (Scriptum, 2012), Via férrea (Cosac Naify, 2013), ABC futebol clube (Aletria, 2015) (Infantil), Poemas pitorescos (Galileu Edições, 2020), Casa (Impressões de Minas, 2020), Diário de casa (Galileu Edições, 2021) e Cosmonauta (Aletria, 2022) (Infantil). Coordena junto com o tipógrafo Flávio Vignoli a Coleção de poesia Lição de Coisas – Tipografia do Zé – Belo Horizonte.



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