Por Ademir Demarchi
→mais nada. Lucas dos Passos. Patuá, 2021.
Nesse livro de Lucas dos Passos, mais nada, há uma preferência pela escrita versificada, com destaque para os hendecassílabos do primeiro dos cinco conjuntos de poemas, que também dá título ao livro. Ressalte-se que é nesse tamanho de versificação que o autor tem maior eficiência. Isso porque é nos onze versos onde ele melhor alcança expressividade, com uma retórica dançante que nos arrasta com atenção na leitura, sem se cegar pelo fetiche da forma e torná-la monótona escravizando o sentido, cuja mais importante experiência, sob esse aspecto, temos visto na obra de Paulo Henriques Brito. Sem que se queira aqui uma comparação, é comum com Brito também o senso de humor irônico que dá uma peculiaridade à sua escrita, distraindo o leitor da forma, o que é fundamental uma vez que, esteticamente, é o sentido que deve se sobrepor a ela.
Destaque-se, nesse sentido, o merecido “soneto para o poeta golpista”, uma resposta “amarga”, conforme palavra escolhida pelo próprio autor, ao poeta Nelson Ascher, que, tendo ele publicado na Falha de S. Paulo posicionamento favorável ao impeachment da presidenta Dilma Roussef, acabou se igualando ao vice golpista, ele mesmo um pretensioso, sem que seja, poeta, daí a automática associação de “poeta golpista” tanto para um quanto para outro, segundo essa insinuação, mais que merecida e comprovada com o que se constatou com todo o desvendamento do processo de impeachment associado com a falcatrua da Lava Jato que levou aos quatro anos de retrocesso do inominável milico Recruta Zero. Por singular esse poema, reproduzo-o ao final.
Como em seu livro anterior, Menos teu nome (Cousa, 2016), o diálogo, ora tenso, ora admirado, com outros poetas, se repete, como João Cabral, no soneto “Penso que a mim”, inspirado em Camões, num filme (“Edifício Aquarius”), ou a série de onze poemas da seção “O diário amarelo”, “inspirados em obra e vida de Ana Cristina Cesar”. Remetendo à conhecida saída que Ana C. fez pela janela do prédio, é impagável o deboche em “Carnaval”: “o dia pedia – e eu não recusei/ desci de novo às ruas, dessa vez/ de escada ou elevador, não lembro./ moto-contínuo empesteei a calçada/ com meu melhor perfume francês.”
Estando apenas no segundo livro, a poética de Lucas dos Passos é notável e promete muito mais, tendo-se a lamentar apenas o fato de que o primeiro livro, editado pela Cousa, não está em catálogo e não é encontrável em lugar algum. Já este que comento, está disponível no site da Patuá. Deixo os leitores com o mencionado poema dedicado ao poeta que conta os pelos do seu gato.
“soneto para o poeta golpista
contando cada pelo de seu gato
enquanto o mundo se fazia histérico,
decidiu pelo gesto mais político
que conhecia e tinha, ali, à mão:
forjar no metro o cetro mais perfeito
e coroar sua carapinha cúprica
no reino do virtuosismo lírico
(quando na certe é rei menos o reino).
com orgulho verteu-se inteiro em folha
e destilou finíssima ironia,
falando para si como se ao povo;
veja só, foi assim que revelou-se
mais um poeta douto em tantas línguas,
mas, para tantas outras, fóssil – mouco.”
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