Por Ademir Demarchi
→ A biblioteca imaginária. João Alexandre Barbosa, Ateliê Editorial, 1996.
“Agora os livros são outros/ crescem a cada leitura/ incham as paredes do quarto,/ se espalham pelo corredor”.
Estes versos são de um poema de Frederico Barbosa, “Certa Biblioteca Pessoal”, referindo-se à biblioteca de sua casa na infância, incluído em Nada Feito Nada, de 1993 e republicado como epígrafe por seu pai no livro de ensaios A biblioteca imaginária.
Retomei-o porque caiu da estante e sintomaticamente porque, como no poema, a biblioteca cresce exponencialmente e tende a expulsar alguns periodicamente, assim como inclui outros. Parece repetir o movimento discutido por João Alexandre Barbosa sobre a formação do cânone, uma discussão iniciada nos Estados Unidos e que, exposta minuciosamente por ele, chega ao Brasil para pensar como se formou um cânone literário nacional. Não caberia aqui esmiuçar isso, pois o próprio João Alexandre conclui o ensaio sugerindo que “é cuidar de nossa biblioteca imaginária, metáfora para o cânone daquele tempo que virá”. Ou seja, cada um, por sua própria experiência de leitura – e escrita, quando é o caso – forma a sua própria biblioteca imaginária.
Assim é que esse seu livro faz uma espécie de súmula de seus interesses durante a vida ao incluir ensaios sobre Machado de Assis, Mário de Andrade, João Cabral de Melo Neto e José Veríssimo, que foi objeto de sua tese de doutoramento, assim como sobre Paul Valery, Eça de Queiroz, Ítalo Calvino, Jorge Luis Borges e numerosos outros autores lidos e correlacionados nos ensaios.
Sua experiência de vida, explicitada num dos ensaios, dedicou-se a “Leitura, Ensino e Crítica Literária” e por essas conjunções passam suas reflexões. É singular, por exemplo, um ensaio sobre Machado de Assis e seu Memórias póstumas de Brás Cubas, “A volúpia lasciva do nada”, em que comenta as curiosas relações de Machado com, entre outros, Flaubert, que, por exemplo, em uma carta, escreveu “Eu me maldiria se fosse pai. Um filho meu! Oh não, não, não! Que toda minha carne pereça e que eu não transmita a ninguém a estupidez e as ignomínias da existência!”).
Curiosamente João Alexandre Barbosa agiu contra o ensinamento de Machado e, em última instância, tendo tido um filho, homenageou-o espargindo seu poema na epígrafe do livro...
Muito, muito adequado aos amantes da literatura e investigadores anônimos, curiosos apenas, dos caminhos percorridos, por exemplo, por Machado de Assis, na construção de Memórias Póstumas...., atente, ali, no cânone imortal, um investigaor da obra máxima de Schopenhauer.
Assim são as bibliotecas: sussurros de humanidade, como jamais ouvi melhor definição, dada pelo editor da Ed. Antofágica.