Por José Arnaldo Villlar
“A intenção inicial deste livro era ser poço, mas virou espelho e agora vai ser gelo.” D. é uma personagem, ou um personagem, uma vez que não se revela em gênero, que pretende torna-se tão somente o que escreve, congelar-se pela palavra para que sua exposição sem limites seja a grande e permanente resposta ao abandono de seus ex-maridos. Abandono em forma de locomotiva, que todos os dias atropela e converte seu corpo em “uma pasta de carne, osso e sangue”, desintegrando-o. A palavra não é capaz de extinguir o trem que carrega suas dores, mas faz D. lançar-se na sua frente como a Anna Karenina de Tolstói, e o que é morte, pela literatura se converte em vingança.
Criogenia de D. ou manifesto pelos prazeres perdidos é um livro que pode ser lido como um romance de muitos personagens ou de apenas um. Com uma narrativa repleta de referências e de forte introspecção, tem a capacidade de dissecar em profundidade sua narradora, ou seu narrador, sem descrever o que tem de mais básico, ao mesmo tempo em que marca em sua personalidade algumas das grandes questões e dilemas de nossa contemporaneidade. Livre de muitas convenções textuais, sua história também é contada pelo corpo físico do livro, pela relação entre palavra e página, pelos espaços em branco e pelo tamanho das fontes, mas principalmente pelos grandes riscos, tanto de tornar-se escrita, quanto de se deixar envolver por ela: “repito com todas as letras que sou uma farsa, confiar no que escrevo é uma temeridade. confiar na escrita é um exercício insano. desnudar-me, na verdade, é tornar-me ilegível.
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