Por Linaldo Guedes
Conheço Daniel Sampaio desde a primeira década dos anos 2.000. Com amigos em comum, nos tornamos amigos também e cheguei a publicar seus poemas no Correio das Artes, suplemento que editei por cerca de seis anos. Sabe quando a gente tem certeza de que daquela semente vai surgir uma árvore imponente e frondosa? Foi o que senti quando li seus primeiros poemas e conversei com ele informalmente pela primeira vez.
Daniel não faz o tipo daquele poeta tímido que chega perto dos mais velhos morrendo de medo de abrir a boca ou falar de poesia. Não! Uma das coisas que me impressionaram em Daniel Sampaio desde o início foi sua personalidade forte, sua coragem de expor sua opinião, isso sem ser arrogante ou sem desrespeitar os mais velhos, os que vieram antes dele ao campo minado da poesia.
Anos depois, Daniel me procura e voltamos a conversar sobre poesia, agora pela internet. Envia-me uns poemas como saldo de seus vinte anos de “prática consciente da linguagem”, como me falou. E reconhecendo que alguns com bons resultados, outros nem tanto. Pois bem, os poemas chegam-me às mãos com um título que depois seria alterado para este “Poetas em tempos de pobreza e outros poemas” (Arribaçã, 2022). Antes de falar especificamente do livro, devo dizer que ninguém está imune a qualquer tipo de influência nesse mundo literário. Todos temos nosso Paideuma, não é? O que diferencia uns dos outros é que alguns viram apenas epígonos de suas referências. Outros, não! Outros tomam conhecimento do que leram, assumem uma influência ou outra, mas partem para suas escolhas, para seus próprios caminhos, não se importando com o trânsito que vai pegar na estrada. Daniel está neste último caso.
Agora, falemos do livro.
Pensamos no título desse volume de poemas como algo simbólico. Falar de beleza em tempos de pobreza?, provocaria Pound, numa das epígrafes do livro. Mas de que pobreza, de que beleza estamos falando? Para início de conversa, lembremos de Aristóteles e sua tese de que está na Poesia a melhor expressão do Belo, pois ela é “poiesis” (criação). É disso que falamos! Da beleza que está presente na poeisis de Daniel Sampaio neste volume de poemas. Desde o início, quando fala querer do amor diamante, tal qual dinamite. Vejam, aqui, a dicotomia que se instala em sua poética: o que precisa ser lapidado para tornar-se diamante, ao passo de explodir feito dinamite. E essa explosão torna-se possível nos versos do poema seguinte – o amor em dobras – provocando o sentimento na vanguarda poética que teme olhar uma flor pra não perder a pose:
no espaço a que nós dois nos damos
as mãos que o espanto desperta um corredor
em dobras a dar-se a si seus contornos de dedos o elidir
de sua forma a sua mais prevista como se concha
a fechar-se à pérola que lhe cabe em linhas-lâminas a eliminar-se as frestas de suas próprias dobras
O que dizer do sutil erotismo de “Evoé!”, ou o mais que explícito “Cabíria”, um dos poemas mais bonitos que li partindo das novas gerações, numa gostosa mistura sonora de Caetano Veloso com Fellini com Daniel?
a noite sarra a barra de tua saia
a vida são sempre mambos & mambos pra putas & putas
(menos tu)
e se fosse pra sofrer, deixa a gueixa
andar pierrô
Mas por que poesia em tempos de pobreza? Penso que aqui Daniel sai do idealismo aristotélico para a realidade catastrófica desse século XXI. Realidade que traz os abutres a comer a memória do corpo, os medos do efeito Werther, a música morfina dos mortos na homenagem a Goethe e seu indecifrável Fausto, no voo de precipícios da mulher que acorda...
Comentários