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O céu implacável, de João Anzanello Carrascoza

Por Amador Ribeiro Neto

Um persagem de sessenta anos solitário que sente-se velho e acabado, dois filhos, duas ex-mulheres, na São Paulo pandêmica. Eis o núcleo do romance “O céu implacável” de João Anzanello Carrascoza (Alfaguara, 2023).


Nas quase quatrocentas páginas a devastação do vírus da Covid 19, o avanço do número de mortes, o descaso governamental, o crescente números de infectados e de mortos, pouco (ou quase nada) afeta este protagonista.


Ele está focado na saudade que sente de seus filhos , um rapaz de vinte e cinco anos e uma menina, e no incômodo de ter-se separado da segunda mulher, por quem parece ainda sentir algum afeto. Como é essencialmente egocêntrico, não sabemos se de fato sente saudades dela ou das vantagens de sua companhia. Paira a dúvida no ar.


A maior parte do tempo fala de si, queixa-se das ex-mulheres, da mangueira que no

quintal, do próprio livro que escreve, dos pensamentos sobre literatura e   linguagem, do mercado editorial, da mídia, do editor, dos vizinhos –  e até das duas aposentadorias que, segundo ele próprio, isolam-no ainda mais do mundo. Enfim, um ser ansioso, confuso, paradoxal.


Com sessenta anos parece orgulhar-se de ter se tornado um velho rabugento, bradando contra todos e contra o mundo, mesmo depois de vinte e cinco anos da prática de yoga.

No processo de elaboração do romance, a autorreferencialidade pode ser lida como um espelhamento do  personagem, já que critica as vozes que se pronunciam contra outras obras do autor. Seria uma autodefesa explícita.


Mas, por outro lado, ao contrário do personagem em si, a linguagem do romance permite autocriticar-se em várias passagens, num quase exercício de crítica genética da própria criação. O que não deixa de ser rico  e enriquecedor para um outro nível de abordagem da obra – aquele que vê nela a implacabilidade de uma obra inacabada. E que se entrega como tal ao leitor, seu cúmplice e co-autor.


Outra vantagem deste romance de quase quatrocentas páginas são seus capítulos curtos com flashes de poeticidade. Mesmo quando o  leitor percebe que já sacou a narrativa e aonde ela vai chegar, e decide, por exemplo,  abandonar a leitura, sua tentativa é vã: a linguagem é muito cativante.


Na verdade, poeticidade da narrativa é o vetor que conduz a leitura com toda potência. Não há outra explicação para um texto repetitivo, sem uma trama envolvente, com um narrador que é escritor, intelectual, ex-professor universitário, ex-publicitário e que se coloca o tempo todo como velho acomodado, ranzinza, resmungão aperreando o leitor.

Lê-se prazer “O céu implacável” com prazer de linguagem poética – e vontade de dar um chega pra lá porrético no protagonista.

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