Por Patrícia Galelli
Fluir um estrondo, pela força do afeto, susto e deriva e encontro. Assim é AquarelaBANG, o livro de contos de Isadora Salazar, numa conversa sideral com Thithi Johnson e suas ilustrações. Um encontro que instiga as “instalações hidráulicas” da experimentação de um a outro ponto de nossa leitura.
Como na aquarela úmida, em que sobre a água Thithi Johnson deposita o pigmento em suspenso que vai se espraiar em seu inesperado, Isadora, sempre íntima das águas, faz os sentidos pairarem evaporados sobre as leis que regem o universo da linguagem. Sabe que “repousa sobre todos os mundos o plano de voo dos insetos”. Instabilidade e equívoco, clareza súbita e sentido instável.
Uma estrela chamada dentes, entre outras estrelas ocultas numa vida a dois. O que sabem os dois tigres sobre o Imenso Homem, se não sabem sobre a coleção de lágrimas das casas? Dois-tigres-um na ilustração de Thithi, um só arco-negroHomem-Imenso, que veio do nada. Deitados, à espera talvez de nuvens pescadas de um lugar partido, despedida e destroços.
No mito de HoráciaBiBang, de salto agulha no parapeito da janela, ela fica muito tempo assim e nada acontece, mas o gelo do uísque sua as “potências” em seu sapato. A gota d’água, little bigbang. E ela cai numa espécie de velocidade da luz, porque todo o cálculo é tão exato quanto amanhecer o céu em algum ponto do fim de sua queda. Isadora e Thithi fizeram assim: do confinamento para um céu que sabe amanhecer. Fizeram assim: uma mãe, ampulheta, que sabe reverter o tempo, “20 minutos de mim é só o que precisa”, ela sabe. Mas quantos minutos de nós para que uma galáxia cozida esteja de fato pronta, novinha? O nonsense faz cosquinhas atrás dos olhos – “olhos de cão azul?” – que os leitores possam se deixar senti-las.
AquarelaBANG convida também a ler contos de cantar. Sem medo, Isadora escreve fora da força gravitacional. Ainda é a mesma língua, mas ela flutua. Em “Canção do perdão”, o vento é elevado à potência de “e”, um chamamento a amar, vozerio de vento tramado desde os confins do tempo. Brinca no vento, brinca.
Se o caos nos espreita lá fora, aqui, neste universo, Isadora faz a frase bombear o cosmos, um tanto de cosmos, e Thithi faz com que o cosmos lhe chegue à porta e à nossa – caos-cosmos-delivery. O que nos sugere faz-nos lembrar de nossa pequenez diante da imensidão, diante das possibilidades. Isadora escreve desenovelando os próprios dedos, como se para abrir – fragmento a fragmento – a casca de nós que cada um somos.
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